Filipe Pinto: “O setor da Economia Social é um mundo em atualização. As organizações estão ávidas por profissionalizar a sua gestão.”

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Filipe Pinto é docente da Universidade Católica no Porto e co-coordena a Área Transversal de Economia Social. Foi uma missão de voluntariado em São Tomé e Príncipe que despertou em si a vontade de trabalhar na área social, movido pela vontade de contribuir para dar resposta aos problemas do mundo. Nesta entrevista, explica-nos o que é a Economia Social e alguns dos seus principais desafios. Nos tempos livres? Jardinagem, porque “é uma metáfora espetacular para a vida”.

 

É licenciado em Gestão, mas no final do curso procurou fazer alguma coisa diferente. Que interpelação é que o moveu?

Quando terminei o curso senti-me profundamente interpelado a fazer uma coisa diferente. Foi nessa altura que me aproximei dos Leigos para o Desenvolvimento, uma ONG. No âmbito desta organização, fui como missionário para São Tomé e Príncipe, durante 14 meses. Foi uma experiência muito marcante e de grande desafio, estímulo e aprendizagem.

 

Foi nessa experiência que descobriu o seu interesse pela área social?

Sim, foi aí que percebi o meu interesse e vontade por explorar a área da Gestão ligada ao setor social. Embora, desde muito cedo, já estivesse envolvido em várias iniciativas sociais. Confesso que, na minha juventude, tudo o que existia para além da escola me dava imenso gozo. Refiro-me a iniciativas de voluntariado, de trabalho com crianças, jovens e sem-abrigo. No final do curso, apercebi-me que era isto que eu queria fazer a tempo inteiro e foi aí que encontrei os Leigos para o Desenvolvimento. Tive vontade de entregar a minha vida de uma maneira radical durante um ano. A minha família sempre me influenciou muito para a intervenção social.  O meu pai era um ativista nato, era alguém sempre muito envolvido nos movimentos da Igreja e em movimentos cívicos e também partidários.

 

O que é que foi mais marcante na sua experiência em São Tomé e Príncipe?

O contacto com aquele povo e a proximidade com contextos de pobreza profunda. Também me marcou muito a riqueza das potencialidades, da capacidade e da abertura daquelas pessoas. Durante o período em que lá estive, trabalhei numa Escola do 5º até ao 12º ano. Assumi a função de administrador da Escola e foi muito desafiante. Tive de crescer muito depressa.

 

Quando regressou, sentiu vontade de estudar e de aprofundar os seus conhecimentos nesta área?     

Sim, mas só aconteceu mais tarde. Quando voltei da missão trabalhei ainda durante cerca de dez anos no mundo da gestão de empresas. Fui mantendo ligação com a área social, porque nunca me desliguei do voluntariado e da intervenção social. A uma dada altura, começo a ter vontade de me dedicar de forma plena a esta área e foi aí que resolvi estudar as linhas de intervenção social. Sou um apaixonado pela Gestão com foco no mundo das organizações sociais.

 

“Na ATES, queremos uma sociedade que, no fundo, consiga, harmonizar tudo o que são as diferenças.”

 

Quando é que vem para a Católica?

Vim para a Católica há 12 anos. Cheguei cá através do Professor Américo Mendes, o fundador da Área Transversal de Economia Social. Comecei por colaborar em alguns projetos e por participar numa incubadora de projetos sociais que existia na altura. Mais tarde, comecei a lecionar a disciplina de Economia Social das licenciaturas da Católica Porto Business School e a integrar outros projetos da ATES. 

 

O que é a Economia Social?

A Economia Social é o setor que incorpora as organizações que são sem fins lucrativos. Associações, fundações, IPSS, ONGs. Todas as organizações que têm um cariz social e que têm uma missão orientada para o bem-comum e para a transformação social. Apesar de serem organizações sem fins lucrativos, precisam de boas práticas de gestão. É um desafio grande, desde logo, porque ainda é pouco conhecido. O setor da Economia Social tem de adquirir competências de planeamento estratégico, de comunicação, de direção de fundos, de gestão de recursos humanos, entre outros. Já tem vindo a ser feito caminho neste sentido, mas ainda há muito para evoluir. As organizações deste setor precisam de conhecimento, de suporte, de estratégia. Só se combatem as fragilidades da gestão, quando é reconhecida a importância extraordinária deste setor. Talvez as pessoas não tenham essa consciência, mas a Economia Social corresponde a mais de 3% do VAB nacional e perto de 6% do emprego remunerado. Tem um peso muito significativo e absorve muitos recursos humanos. Infelizmente, é um setor que ainda é pouco valorizado, embora considere que esteja a haver uma mudança de tendência.

 

Qual é a missão da ATES?

A Área Transversal de Economia Social da Católica tem como objetivo promover e desenvolver projetos, prestar serviços e oferecer formação que contribuam para o fortalecimento da Economia Social, para o desenvolvimento local e a inclusão. Queremos uma sociedade que, no fundo, consiga, harmonizar tudo o que são as diferenças. Trabalhamos à escala nacional, mas não só. Temos esta preocupação de estarmos também presentes na área da cooperação para o desenvolvimento e, por isso, temos, também, desenvolvido vários trabalhos em Angola, Moçambique, São Tomé.

 

É já grande a lista de trabalhos desenvolvidos pela ATES …

Sim, temos várias ofertas formativas pós-graduadas nas áreas da gestão das organizações, gestão de projetos, desenvolvimento local e direitos humanos. Por exemplo, na área da gestão das organizações de Economia Social, temos uma pós-graduação que já vai na sua 14ª edição. Para além disto, vamos desenvolvendo investigação e fazendo muito, muito trabalho de proximidade com as organizações sociais através da realização de avaliação de projetos de impacto ou de apoio à geração de novos projetos. No trabalho que temos desenvolvido, temos visto nascer uma série de projetos que querem resolver problemas sociais. O reforço de competências e a tentativa de gerar novos projetos tem sido muito rico.

 

Lidera na ATES a área relacionada com a transparência e prestação de contas nas organizações de Economia Social. Qual é a pertinência do tema?

É um tema relativamente recente. Em Portugal terá, talvez, 10 anos de debate. A ATES tem sido pioneira nesta área. Já conseguimos fazer uma série de coisas, como estudos, publicações, workshops ou cursos mais longos. Destaco, pela sua relevância, a construção de um mecanismo de autodiagnóstico que ajuda as organizações a perceberem como é que estão as suas práticas de transparência. É um tema que precisa ainda muito de ser falado. É preciso discutir as questões da transparência, da ética, da prestação de contas, da divulgação de resultados. As boas práticas da prestação de contas e da transparência são, sem dúvida, um dos grandes desafios da Economia Social. Não acho, propriamente, que as organizações não sejam transparentes, mas as suas práticas ainda são muito pouco estruturadas, organizadas, profissionalizadas e até conscientes.

 

“O cariz social é central na identidade da Universidade Católica.”

 

O trabalho que a ATES realiza implica um grande trabalho de terreno …

Sim, o trabalho de campo caracteriza transversalmente toda a equipa da ATES. No fundo, a equipa da ATES caracteriza-se bastante por pessoas que combinam uma formação académica, avançada e bem preparada, mas, também, e a experiência no terreno. Grande parte das pessoas já foram técnicos ou dirigentes de organizações sociais. É muito importante este conhecimento aprofundado da realidade social. Se não formos para dentro das organizações para percebermos exatamente quais são os seus problemas, não as vamos conseguir ajudar. O mesmo se passa com a nossa comunidade beneficiária. Temos de conhecer a sua realidade e problemas, para conseguirmos construir soluções eficazes. É preciso olhar a partir de dentro.

 

Leciona a disciplina opcional de Economia Social na Católica Porto Business School. Os estudantes estão despertos para o tema?  

É uma disciplina que tem sempre muita procura. Aqui na Católica não me surpreende, porque o cariz social é central na identidade da Universidade. Formamos os nossos estudantes nesta dimensão humanista e, por isso, é grande a probabilidade de se sentirem chamados e atraídos para os temas que implicam a ação e transformação social. Os estudantes da Católica adquirem, de forma especial, esta sensibilidade. 

 

Considera que as organizações do setor da Economia Social estão hoje mais abertas a transformações?

Sem dúvida. É um mundo em atualização, as organizações estão ávidas por profissionalizar a sua gestão, por digitalizar as suas operações, por colaborar também estrategicamente com outros, por avaliar, comunicar e rejuvenescer.

 

Que pessoas são uma inspiração para si?

Profissionalmente, o Professor Américo Mendes é uma grande inspiração. Pelo seu conhecimento profundo da área da Economia, mas também da área da Economia Social. Pela forma extraordinária como combina o cuidado pelo outro com um grande sentido de missão que coloca em tudo o que faz. É uma inspiração por tudo o que tem feito pela visibilidade deste setor na sociedade portuguesa. Num plano mais pessoal, quem mais me inspira é a minha filha, pela maneira como geriu uma situação de saúde muito delicada, com uma capacidade de aceitação extraordinária de fim de vida, sem que isso tenha significado em algum momento acomodação. Essencialmente, porque viveu os seus 18 anos com muita intensidade, mesmo sabendo que não lhe ia ser possível viver até aos 80 anos.

 

O que gosta de fazer nos seus tempos livres?

O meu mais recente hobby é a jardinagem. Tenho o privilégio de ter um espaço fora do Porto que me permite explorar a jardinagem e a natureza. A jardinagem é uma metáfora espetacular para a vida. Respeitar os tempos, o crescimento lento, as estações, a natureza, mas, ao mesmo tempo, também temos a capacidade de interferir de alguma maneira, podando, retirando ervas daninhas. Cuidar e fazer crescer. Na jardinagem, sinto-me terapeuticamente rejuvenescido.

 

O que é que o move?

Sinto-me chamado a viver o Reino de Deus todos os dias. O Reino de Deus vai acontecendo todos os dias aqui na Terra.

 

pt
22-02-2024