Diogo Costa: “Um investigador é ansioso e inquieto.”

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Diogo Costa tem 40 anos, é natural de S. João da Madeira e é investigador do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano da Faculdade de Educação e Psicologia (FEP), da Universidade Católica Portuguesa. É licenciado em Psicologia, mestre em Psicologia da Saúde e doutorado em Saúde Pública. Investiga nas áreas da Psicologia da Saúde, da Epidemiologia Social e da Igualdade de Género. É uma das contratações recentes do centro de investigação da FEP e desta oportunidade espera desenvolver novos projetos e novas ideias. Durante o seu percurso profissional esteve em Angola, na Alemanha e na Lituânia. Dedicar a vida à investigação é “viver para a descoberta”.

 

Relativamente ao estigma com a saúde mental, considera que Portugal tem vindo a dar passos positivos nesse sentido?

Sim, claro que sim. A saúde mental evoluiu imenso, sobretudo desde que surgiu o primeiro plano nacional para a saúde mental. Estes planos trouxeram muitas atividades e estratégias fundamentais. A criação da Ordem dos Psicólogos, que não é assim tão antiga, também foi muito importante, porque também tem vindo a fazer um trabalho enorme. Agora há um reconhecimento cada vez maior da necessidade dos psicólogos estarem integrados na comunidade, e nos cuidados de saúde primários, assim como de mais psiquiatras e enfermeiros da especialidade. São apenas alguns exemplos de como o caminho já foi iniciado. Mas temos de continuar a caminhar, e colocar a saúde mental no topo da agenda política.

 

Como é que é uma vida dedicada à investigação?

É viver para a descoberta. É muito gratificante quando vamos fazendo pequenas descobertas, avanços ou contributos, e quando os conseguimos partilhar com a comunidade científica. Eu tive esta sorte de poder trabalhar com várias redes internacionais e, portanto, fazer investigação em conjunto com investigadores de todo o mundo, e perceber também diferenças culturais na valorização dada a pequenos avanços nas áreas em que estava a estudar. É muito interessante. Mas, atenção, porque a vida de investigador, em particular, em Portugal, não é nada fácil. Há pouco financiamento e poucas estruturas. Tem evoluído imenso, mas devemos continuar a crescer, porque somos muito bons em muitas áreas.

 

Porquê Psicologia? Quando é que sentiu que o seu caminho profissional passava por aqui?

O gosto por esta área surgiu ainda durante o secundário e muito concretamente durante as aulas de Filosofia. Tive a Filosofia um daqueles professores inesquecíveis que nos fazem pensar sobre a vida e sobre aquilo que gostamos verdadeiramente. O professor era, também, psicólogo e muitas das aulas eram mais sobre Psicologia, do que propriamente sobre Filosofia.

 

“A Psicologia da Saúde trata de quase todos os temas que impactam a saúde mental das pessoas.”

 

Depois de licenciado, ingressa no Mestrado em Psicologia da Saúde …

Sim e foi, também, um momento que coincidiu com a procura de trabalho. Nessa altura, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto estava a recrutar para vários projetos de investigação e houve um projeto para o qual fui recrutado que tinha a ver com avaliação da prestação de cuidados de saúde mental de população marginalizada. É interessante porque foi este trabalho que me levou a começar a interessar-me por determinados temas, como as desigualdades socioeconómicas. Acabei por fazer o meu mestrado com uma tese intitulada "Desigualdades socioeconómicas na expressão de sintomas depressivos: Estudo observacional numa amostra urbana". Digamos que foi a partir daqui que comecei a delinear o meu caminho de investigação.

 

O que é a Psicologia da Saúde?

A Psicologia da Saúde trata de quase todos os temas que impactam a saúde mental das pessoas. Está preocupada com os fatores psicológicos, comportamentais e também sociais e culturais, que impactam a saúde dos indivíduos. O meu interesse, em particular, tem a ver com um tema muito específico, ligado à vulnerabilidade de alguns grupos que conheci. Estudo as experiências de violência interpessoal e, também, derivei para estudar a violência ao longo do ciclo de vida, também contra crianças, entre pais e crianças, contra pessoas idosas. Tudo tem nuances diferentes e também resultados e impactos em níveis de saúde mental diferentes.

 

Em janeiro de 2024, entra para a equipa de investigadores do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano (CEDH). Como é que se dá este encontro?

O CEDH estava a recrutar investigadores para a sua equipa e o lugar chamou muito a minha atenção, porque o centro tem um historial de trabalho de grande qualidade e porque faz muita investigação dentro dos temas que me interessam e que têm feito parte do meu percurso. Quando me candidatei à vaga, pesquisei o trabalho do CEDH, as coisas que estavam a ser feitas e considerei logo que seria uma boa oportunidade poder regressar a uma faculdade de Psicologia e Educação.

 

Quais são as suas expectativas?

A minha expectativa é a de conseguir autonomizar-me, com ideias e projetos de investigação meus. Quero desenvolver projetos nas minhas áreas de interesse, como os temas da violência interpessoal e o impacto na saúde e também quero trabalhar a área dos estereótipos de género e da igualdade de género.

 

“A investigação tem o seu próprio timing.”

 

O que é que o fascina na Psicologia?

Fascina-me o estudo da mente, de como as pessoas pensam, sentem e se comportam. Tenho, também, um gosto particular pelo método, que sempre foi uma força e uma fraqueza da Psicologia. Quem faz investigação aplicada em Psicologia, no meu caso da saúde, sente necessidade de aceder à mente com as ferramentas que existem, que muitas vezes não são perfeitas, muitas vezes são aproximadas daquilo que nós achamos que as pessoas estão a pensar, a sentir, e recorrem-se muito do autorrelato. Claro que também houve uma evolução tremenda nos últimos anos sobre aquilo que conseguimos ligar do ponto de vista fisiológico, neurofisiológico, do funcionamento cerebral, associado às emoções, aos pensamentos, e sobretudo aos comportamentos, e isso traz novas possibilidades. E, portanto, eu continuo a sentir um fascínio sobre como é que estas coisas funcionam.

 

Há sempre uma dimensão de mistério por trás da Psicologia…

É para isso que investigamos, para ir desvendando o mistério. Tentamos aprofundar na investigação ainda que sejam dados passos pequeninos de cada vez. Permanece um mistério que continuamos a tentar desvendar. Não é só para a perceção do público em geral, mas, também, das pessoas que estão dedicadas a isto, como eu. Eu tenho muitas dúvidas, muitos enigmas para desvendar. É isso que nos move, a nós investigadores, a continuar a pesquisar e a aprofundar.

 

Ser investigador é um exercício de paciência …

Muitas vezes temos becos sem saída, que não dão em nada. Quando estava na faculdade diziam que as três características que um psicólogo devia ter eram a paciência, a paciência e a paciência (risos). Acho que, também, se aplicam aos investigadores. É preciso muita persistência e resiliência, porque, em quase todas as áreas, a investigação tem o seu próprio timing. A investigação é normalmente lenta.

 

Para além da capacidade de persistir e de se ser paciente, que outras características são importantes num investigador?

Um investigador tem, também, de ter muita preocupação com o rigor, com a atenção ao detalhe. E, claro, é essencial ter honestidade intelectual. E um investigador é normalmente ansioso e inquieto.

 

“Todos estes fatores de contexto são elementos importantes do retrato da saúde mental.”

 

Tem aumentado a incidência de patologias ligadas à saúde mental?

Sim, penso que em Portugal estamos entre os países europeus com maior prevalência de perturbações do humor e questões relacionadas com consumo de álcool e drogas. Todos os anos parece aumentar a prevalência de determinadas patologias, como a depressão, a ansiedade, mas não só.

 

Os casos são realmente em maior número ou porque falamos mais do tema é uma realidade mais evidente?

Acredito que seja uma mistura dos dois. Hoje em dia sabemos, efetivamente, mais desses casos e por isso inevitavelmente acabamos por identificar mais situações, mas, apesar disso, vivemos atualmente um contexto que, realmente, motiva uma maior incidência desse tipo de perturbações e doenças. Acredito que é um bocadinho das duas perspetivas. Atualmente, detetamos e identificamos com muito mais facilidade e as próprias pessoas também vão estando mais alertas para isto. O reconhecimento social tem um papel muito importante. Mas importa olhar para o caso português em concreto e para a forma como a sociedade foi evoluindo. Antes da pandemia, tínhamos atravessado uma transição demográfica e epidemiológica. Somos uma população mais envelhecida, aliás acompanhamos o resto da Europa nesse sentido. Isto leva ao aumento da frequência de outras doenças físicas, mas também outras de doenças mentais. O facto de vivermos mais, de termos menos filhos, de nos preocuparmos mais com a carreira, com a educação e o facto de nos empenharmos mais na competição influencia muito a saúde mental. Todos estes fatores de contexto são elementos importantes do retrato da saúde mental.

 

Tem também experiências internacionais que marcam o seu currículo.  

Estive um ano e meio em Angola, no Centro de Investigação em Saúde de Angola, a fazer trabalho mais aplicado no âmbito da saúde pública, mas também alguma epidemiologia social e também participei num estudo sobre a violência contra mulheres grávidas. Foi um período que abriu os meus horizontes para outros temas. Percebi como é que o trabalho é feito num lugar complicado em desenvolvimento, com algumas dificuldades de recursos e com uma cultura que, apesar de próxima, é muito diferente. Foi uma experiência que também me trouxe alguma humildade. O que nós fazemos aqui, nos países desenvolvidos, não deve necessariamente ser imposto nos países em desenvolvimento, a todos os níveis. Porque as pessoas têm as suas formas de fazer, têm a sua cultura, têm os seus valores, têm a sua história, têm as suas crenças, que as faz desenvolver outras formas alternativas de chegar aos mesmos fins.

 

De Angola vai para a Alemanha …

Sim, estive num contexto muito diferente, o aposto talvez. Estive no norte da Alemanha, na Universidade de Bielefeld. Estive lá durante a pandemia e abordarmos os temas relacionados com a pandemia. Lá aprendi, também, que não precisamos de trabalhar tantas horas, como em Portugal estamos habituados a fazer. Os alemães são muito bons a equilibrar a família, o trabalho e o lazer. Aprendi, também, que em Portugal fazemos muito com pouco dinheiro. Depois, a minha última experiência internacional foi na Lituânia. Estive num contexto muito diferente, porque estive a trabalhar para uma agência da Comissão Europeia, que é o Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Aprendi acerca da responsabilidade de ser um investigador e funcionário público europeu, que, para além de representar um país individual, contribui para o trabalho de organismos que se preocupam e impactam todos os europeus, mais de 400 milhões de pessoas.

 

O que gosta de fazer nos seus tempos livres?

Sou um nerd das guitarras. Tenho uma coleção de guitarras e de aparelhos de música.

 

Recomenda algum livro?

The Spirit Level, de Richard G. Wilkinson e Kate Pickett. É um livro um bocadinho controverso, mas acho que traz uma reflexão muito importante. Aborda a forma como as desigualdades socioeconómicas impactam quase tudo na nossa saúde, incluindo a violência, incluindo a agressão e quase todos os campos da saúde mental e da saúde física. Do ponto de vista mais estrutural e mais, se calhar, de saúde mental pública, é algo que deve ser combatido e mitigado. Durante a pandemia isto ficou bem claro, porque as primeiras populações a serem mais afetadas foram as mais vulneráveis do ponto de vista socioeconómico e da sua posição social. Os Anjos Bons da Nossa Natureza, de Steven Pinker, também é um bom livro, estou a lê-lo, precisamente, agora. Fala sobre a violência ao longo dos vários períodos da História e demonstra como, no global, a violência de todos os tipos, incluindo as guerras e outro tipo de agressões, tem vindo a diminuir. O autor relata como é que a humanidade tem conseguido declinar essa violência. Porque morríamos muito mais, éramos muito mais violentos do que somos agora, felizmente. Mas, claro, ainda não estamos livres de violência. Há muito caminho para fazer.

 

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27-03-2024