Paulo Alves: “Só quando pensamos na Enfermagem de forma preventiva é que podemos ter uma noção do seu real impacto”

Pessoas em Destaque

Paulo Alves é Diretor da Escola de Enfermagem (Porto) e diretor-adjunto da Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa. É enfermeiro, docente, investigador e especialista na área do tratamento de feridas. É, também, mergulhador nos tempos livres. Nas Berlengas ou no Mar Vermelho, garante que é uma experiência “impressionante” e que os enfermeiros e os mergulhadores têm coisas em comum. Nesta entrevista, falamos sobre os desafios da Enfermagem, a importância da inovação e dos valores que orientam o ensino da Enfermagem na Universidade Católica. Maior motivação para a vida? “A família é a minha motivação para ser feliz”.

 

O que é que um enfermeiro e um mergulhador têm em comum?

Têm em comum duas coisas muito importantes. Primeiro, há um fator risco muito elevado. No mergulho podemos pagar com a vida, literalmente. Na Enfermagem, nós zelamos pela vida dos outros. Por isso, este fator risco de pagar com a vida também existe na Enfermagem. Tanto no mergulho como na Enfermagem, devemos pensar em antecipar e programar e estar atentos aos sinais que nos podem colocar em risco. Principalmente, quando olhamos para a Enfermagem não só do ponto de vista curativo, mas, também, e acima de tudo, do ponto de vista da prevenção. Só quando pensamos na Enfermagem desta forma é que conseguimos ter uma verdadeira visão sobre a sua importância e o seu impacto. O segundo ponto que têm em comum é que o mergulhador precisa de verificar o equipamento antes de mergulhar. A Enfermagem também nos obriga a antecipar e a verificar se está tudo preparado para o procedimento que se segue. É preciso ter a capacidade de antecipar, para que possamos ser capazes de dar a resposta certa. Seja no oceano, seja num hospital com os pacientes, é necessário acautelar todos os riscos, é preciso antever e definir um plano. No mergulho, não posso entrar na água se vejo que as marés estão fortes ou sem verificar oxigénio e o tempo que tenho. O mesmo se passa nas feridas e no tratamento que faço: pondero sempre qual vai ser o prognóstico e que complicações é que podem advir.

 

O que é que se sente quando se está com a cabeça dentro de água?

Faço mergulho há muitos anos e é impressionante porque sempre que mergulho esqueço-me de tudo o que tenho à minha volta. Quando meto a cabeça dentro da água passo a estar num outro ecossistema. Literalmente. Abre-se um mundo novo de possibilidades à minha frente para eu ir descobrir.  

 

É uma prática desportiva de equipa?

Sem dúvida. Quando mergulhamos vamos sempre descobrir algo novo e é impossível conseguir fazê-lo sem ser em equipa. No mergulho, nunca podemos estar sozinhos, porque os riscos associados a esta prática são muito grandes.  O mergulho obriga a uma confiança enorme na equipa que vai connosco. Se um sobe, o outro também sobe. Nunca ninguém fica para trás.

 

Não gosta de estar sozinho?

Não gosto nada. Preciso de estar com pessoas, com família e amigos. Até no desporto: acho que não gosto de correr porque é uma atividade muito solitária. Vivo para estar com as pessoas, para colaborarmos e nos desenvolvermos em conjunto. É uma característica que me define bem.

 

E a Enfermagem também não se faz sozinha…

Os enfermeiros trabalham sempre em equipa. Tomamos decisões de forma autónoma, e outras são decisões interdisciplinares, mas, no fim do dia, é o trabalho de equipa que faz toda a diferença. Além disso, envolvemos sempre o doente e a sua família nas decisões, pois acreditamos que a colaboração com todos os envolvidos é fundamental para alcançar o melhor resultado. Quem ousa dizer que consegue fazê-lo de forma isolada não vai conseguir da melhor forma. Não é possível.

 

É diretor da Escola de Enfermagem – Porto da Católica e (colocar cargo na FCSE). Quais são as principais prioridades do seu mandato?

A nossa prioridade é sermos inovadores na forma como ensinamos e investigamos. Acima de tudo, temos de olhar para as necessidades da Saúde. São muito diferentes das que tínhamos antes, portanto, temos de ser capazes de adaptar os currículos dos programas, temos de adaptar as novas capacidades – do ensino e dos nossos docentes - e otimizá-las para as novas realidades. É nossa prioridade trazer inovação e tecnologia para o ensino, mas também para a prestação de cuidados de saúde. Preparamos os futuros enfermeiros para as necessidades do mundo.

 

“A matriz humanista e cristã diferencia-nos muito.”

 

O que é que tem sido mais desafiante no cargo de liderança que ocupa?

É inevitável trazer de novo a questão da equipa e do facto de ninguém conseguir fazer nada sozinha. Como diretor, não tenho outra forma de atingir os objetivos se não for através do envolvimento de todos. A Gestão tem processos que são muito solitários, mas aquilo que me tem fascinado é a procura pela mobilização das pessoas. Como é que se envolve uma equipa, levando a que tenham todos um foco comum? É isto que tenho tentado fazer. O meu empenho está concentrado nisto. É um grande desafio.

 

Que valores orientam o ensino da Enfermagem na Universidade Católica?

A matriz humanista e cristã diferencia-nos muito. Os valores que orientam a forma como ensinamos os nossos estudantes têm muito impacto. Nós centramo-nos muito no apoio aos mais vulneráveis. Para além disto, os enfermeiros são quem acompanha as pessoas em todo o seu ciclo de vida. Do nascimento até à morte. Não podemos ter medo de acompanhar as pessoas também na morte, isto é muito importante. É por isso que nos preocupamos tanto com a humanização e é um fator que nos distingue verdadeiramente.

 

É especialista na área do tratamento das feridas. Como é que se cruza com esta área?

No meu primeiro ano de trabalho como enfermeiro, estive a prestar cuidados de enfermagem no estabelecimento prisional do Porto, em Custóias. Comecei a ter um contacto próximo com situações de violência física e psicológica dentro da prisão e percebi que as lesões apareciam com alguma frequência. Refiro-me tanto a lesões mais simples como a lesões cirúrgicas. Mais tarde, quando também estive a trabalhar no Hospital de S. João e no Hospital de Gaia, voltei a perceber que a área das lesões e das feridas estava demasiado dispersa e que havia alguma falta de conhecimento. Dentro da Enfermagem temos várias especialidades, mas nessa altura a área da ferida crónica não tinha este espaço e esta atenção. Havia muito pouca evidência científica sobre este tema e eu comecei a interessar-me muito. Não era só a ferida aguda por motivo de trauma ou acidente, mas também a ferida crónica que muita gente tem, como o pé diabético, ou as feridas que muitos idosos apresentam por estarem acamados.

 

“A Universidade Católica foi pioneira na valorização da área do tratamento de feridas.”

 

A área das feridas é uma área abrangente?

É um campo enorme, sem dúvida. Mas eu comecei a debruçar-me especialmente não nas feridas de rápida cicatrização – uma queimadura simples ou uma ferida cirúrgica -, mas nas feridas que têm vinte ou trinta anos e que não cicatrizam. Percebi que estas feridas crónicas estão na comunidade. Os números dizem que cerca de 70% destas feridas estão na comunidade e nas famílias. Uma verdadeira epidemia escondida. Não havia números sequer. Nós não sabíamos onde é que estas pessoas estavam.

 

E assim começou a sua área de investigação…

Sim, para além de manter a prática clínica, comecei a especializar nessa área e a fazer formação específica. Quando chego à Universidade Católica, em 2009, é, precisamente, por causa desta área. Comecei logo por implementar a área da prevenção e do tratamento de feridas e a lecionar uma unidade curricular dedicada em exclusivo a esta área. Aliás, o meu primeiro estudo nesta área procurou perceber o tempo que as escolas de enfermagem, farmácia e medicina dedicavam à área das feridas. Pude concluir que muitas vezes havia seis horas dedicadas a este tema num curso de 4 anos, por exemplo. A Universidade Católica foi pioneira na valorização desta área e em trazer este tema para o ensino e para a investigação. Atualmente, somamos cerca de 20 anos de investigação e de evidência sobre este tema. Temos, hoje em dia, novos instrumentos e dispositivos médicos para uso no tratamento de feridas. Temos, também, um caminho de investigação partilhada nesta área com outras faculdades da Católica, por exemplo, com a Escola Superior de Biotecnologia. Somos os primeiros, a nível nacional, a trabalhar as feridas, as ostomias e a incontinência, oferecendo uma pós-graduação sobre isto. É importante referir que, hoje em dia, a Ordem dos Enfermeiros já reconhece como competência acrescida a áreas das feridas, coisa que não acontecia há uns anos, precisamente porque faltava evidência científica sobre esta área. É uma área que tem tido uma franca evolução. Para além de estar presente nos nossos programas de licenciatura e mestrado, temos também já estudantes de doutoramento que exploram este tema. Temos, também, ensino pós-graduado estamos a desenvolver agora novas tecnologias, quer no diagnóstico, quer no tratamento. Foi a Universidade Católica que permitiu este caminho.

 

“A investigação tem um lugar muito importante, porque foi a investigação que me trouxe esta dúvida constante, esta permanente insatisfação.”

 

O que é que o move?

A família! É o mais importante. É a família que tolera os meus maus feitios, mas acima de tudo, a família é a minha motivação para ser feliz. A investigação tem, também, um lugar muito importante, porque foi a investigação que me trouxe esta dúvida constante, esta permanente insatisfação. O que é extremamente desafiante e motivador. Tenho a sorte de poder variar a minha vida profissional entre a parte clínica, que muito valorizo porque me permite estar em contacto com a comunidade, a docência, que me realiza muitíssimo, e a investigação, que é sempre um grande desafio.

 

Bons locais para mergulhar em Portugal?

Gosto muito de mergulhar nas Berlengas, sem dúvida. Gosto também do Algarve e da Madeira. Os Açores também são excecionais, mas eu ainda não tive a oportunidade de fazer lá mergulho. Há, ainda, um sítio fabuloso que é em Vila Chã aqui no Norte. Está nesse local um submarino alemão afundado desde a II Guerra Mundial a cerca de 33 metros de profundidade. É um mergulho arriscado, porque a zona tem marés e correntes complexas.

 

Um mergulho inesquecível?

No Mar Vermelho. Foi absolutamente extraordinário. Tem uma imensa riqueza de vida animal e a visibilidade que se tem dentro de água é muito maior. Tem animais de grande porte! E o risco é maior, o que nos dá uma grande adrenalina.

 

pt
09-05-2024