Marisa Carvalho: “Procuro afirmar a inclusão e a diversidade.”

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Marisa Simões Carvalho é docente e investigadora da Faculdade de Educação e Psicologia. Foi Psicóloga Escolar durante 16 anos, anos estes que descreve como muito importantes para a descoberta da sua missão.  Muito atenta e interessada pelos temas da inclusão e diversidade, é, atualmente, a Provedora da Igualdade e da Inclusão da Universidade Católica no Porto, cargo que encara “com muita responsabilidade”. Nesta entrevista, falamos sobre o seu percurso de vida e sobre a forma como tem vindo a privilegiar sempre a procura de conhecimento ao serviço da Psicologia e da Educação.

 

Como é que se educa para a inclusão?

Educa-se para a inclusão incluindo, diariamente, enquanto cidadãos e, depois, enquanto profissionais. Educa-se para a inclusão, valorizando a diferença. Educa-se para a inclusão, compreendendo a diferença e o modo como ela se manifesta no comportamento de cada um de nós. Educa-se para a inclusão quando a vivemos. Por isso, quanto mais os nossos contextos educativos forem diversos, do ponto de vista das múltiplas dimensões da diferença, mais nós aprendemos a partilhar espaços e a viver com o outro. Em primeiro lugar, penso que é importante reconhecer a diferença do outro. Este reconhecimento é importante. Permite-nos ver a pessoa na sua vida, na sua história, no seu contexto. Aquilo que marca cada um de nós é a nossa diferença, é o facto de sermos verdadeiramente únicos. Um dos desafios que lanço aos meus alunos nas primeiras aulas é pedir-lhes que destaquem precisamente aquilo em que são diferentes. Em segundo lugar, perceber que a diferença nos enriquece, valorizá-la. Só percebemos o valor da diferença se a vivermos. Para que possamos educar para a inclusão é necessário que as escolas e as universidades valorizem a diversidade, criando as condições necessárias ao acesso e participação efetiva de diferentes pessoas (estudantes e docentes). Não basta afirmarmos que somos inclusivos ou que valorizamos a diferença, é necessário que se garantam as condições para que isto se efetive, em especial, para pessoas em situação de maior desvantagem pelos mais diversos motivos.

 

“Esta provedoria da Católica compromete-se a defender e promover os princípios fundamentais da dignidade e da integridade da pessoa.”

 

É, atualmente, a Provedora da Igualdade e Inclusão da Universidade Católica no Porto. Como encara esta missão?

É um desafio muito interessante, mas, também, de grande responsabilidade. A minha investigação nos últimos tempos tem-se dedicado às questões da inclusão nas suas variadas formas e, por isso, tenho esta constante preocupação em pensar naquilo que posso fazer para promover a inclusão e reduzir os cenários de exclusão. Por exemplo, como docente questiono-me frequentemente sobre “O que é que eu faço nas minhas aulas para incluir os meus alunos?” ou “Como garanto que todos os meus alunos se sintam acolhidos e tenham condições para aprender nas minhas aulas?”. Como investigadora, e como pessoa, questiono-me sobre “Como é que todos podemos contribuir para uma sociedade mais inclusiva e democrática através da educação?”. A Provedoria da Igualdade e Inclusão alinha-se com esta missão. Esta provedoria da Católica compromete-se a defender e promover os princípios fundamentais da dignidade e da integridade da pessoa, que enquadram a matriz humanista cristã da universidade. Através desta missão, espero ter a oportunidade contribuir para um ambiente cada vez mais inclusivo e democrático na nossa instituição, mas, também, desencadear ações que se possam traduzir num combate claro e efetivo às situações de exclusão e de discriminação.

 

“Esta escola inspirou-me muito e acabou por ditar o meu caminho e o meu gosto por esta área.”

 

Foi Psicóloga Escolar durante 16 anos. De que forma é que foram anos importantes da sua vida?

Depois de ter terminado o curso de Psicologia, tive a oportunidade de ir trabalhar, enquanto Psicóloga Escolar, para uma escola no Marco de Canaveses, era uma escola que estava inserida num ambiente muito rural e desfavorecido e, por isso, repleta de desafios. Fui muito bem acolhida, mas lembro-que que quando fui não tinha a expectativa de ficar muito tempo. Esperava explorar outras áreas e contextos da Psicologia. O que é certo é que lá estive 10 anos e foi aí que me contruí como psicóloga escolar. Foram anos de muita aprendizagem. Arrisco dizer que foi nesta escola que aprendi a ser psicóloga e, em particular descobri o que é ser (ou pode ser) psicóloga escolar. Por um lado, o tipo de trabalho desenvolvido foi muito diversificado, tive a oportunidade de trabalhar em diferentes modalidades de intervenção: ora atendia alunos no meu gabinete, ora trabalhava com grupos de estudantes nas escolhas de carreira, ora desenvolvia projetos de prevenção de indisciplina, entre outras tarefas. Por outro lado, foi um momento de tomada de consciência da relevância do conhecimento para a prática psicológica. Finalmente, levou-me a compreender que a Psicologia deve assumir um papel claro e efetivo na luta pela inclusão de todos e de todas as pessoas na educação e na sociedade. Esta escola inspirou-me muito e acabou por ditar o meu caminho e o meu gosto por esta área. Mais tarde, acabei por ter de mudar de escola e fui colocada em Ermesinde e passados dois anos mudei novamente, desta vez para Paços de Ferreira. Esta última escola foi, também, muito importante no meu percurso, porque se tratava de um território educativo de intervenção prioritária. Foi um marco no meu percurso pessoal e profissional. Pode parecer estranho mas creio que foi nesta escola que consolidei a ideia da importância do sentido de comunidade e de pertença na vida das pessoas e, em particular, dos alunos, e o papel que a Psicologia deve ter para que isto se concretize. Foi aqui que o meu trabalho passou a ter uma proximidade muito maior e significativa com os docentes e com a direção da escola e isto foi determinante para o meu percurso profissional.
Voltando à questão, felizmente, foram anos marcantes em termos pessoais e profissionais e isso é visível em quem sou hoje e no que valorizo.

 

Enquanto trabalhava como Psicóloga Escolar, procurou sempre aprofundar os seus conhecimentos. Ingressou num Mestrado e mais tarde, também, num Doutoramento.

Sim, durante o período em que trabalhei como psicóloga, fiz um Mestrado em Psicologia Escolar e, mais tarde, também, um Doutoramento em Psicologia Vocacional.  O meu objetivo, na altura, foi enriquecer o meu conhecimento, na certeza de que isso iria fazer de mim uma melhor psicóloga e uma melhor profissional. A minha expectativa era a de fundamentar a minha prática, sempre convicta de que a minha prática como psicóloga deve ser baseada em ciência, e assim beneficiar os alunos, as crianças, os jovens, os profissionais e a escola. É muito interessante, porque para mim foi muito visível a mudança de prática que aconteceu ao longo do tempo em que fui psicóloga escolar e o impacto que a formação pós-graduada teve no trabalho com as escolas por onde passei.

 

Tem saudades do ambiente da escola?

Encontrei a minha missão de outra forma. Continuo ao serviço da Psicologia Escolar e da Educação, mas de uma maneira diferente. Mas, claro, que vou sentindo falta de alguns aspetos da vida na escola. Mantenho a minha ligação de várias formas, quer seja através do trabalho que vou fazendo com as escolas, quer, também, através das funções que desempenho na Ordem dos Psicólogos, enquanto Presidente do Conselho de Especialidades da Psicologia da Educação. Mantenho a proximidade em relação ao trabalho dos psicólogos e psicólogas nas escolas e também noutros contextos educativos.

 

“A proximidade é uma marca central e transversal a toda a oferta formativa da FEP.”

 

Atualmente, está ligada à área da Psicologia Escolar e da Educação. Como é que se fundem de forma evidente na sua vida as áreas da Psicologia e da Educação?

Quando cheguei à Católica fui desafiada para um segundo doutoramento, desta vez em Ciências da Educação. Agora sim numa perspetiva académica e particularmente centrada na produção e divulgação de conhecimento. A ligação à Educação esteve sempre presente mas a lente da Psicologia é uma lente diferente da das Ciências da Educação e, por isso, fez sentido. O engraçado e interessante é que neste doutoramento vi reforçada a  complementaridade e a interdisciplinaridade entre a Educação e a Psicologia. O meu trabalho como docente, como investigadora e noutras atividades que desempenho é claramente influenciado pelo contributo das duas áreas.  

 

A Faculdade de Educação e Psicologia tem uma ligação próxima às escolas através do Serviço de Apoio à Melhoria da Educação (SAME). Qual é a sua importância?

O SAME assume um papel muito importante. Um primeiro aspeto tem a ver com a necessidade de as escolas terem um olhar externo. Não, necessariamente, o olhar de alguém que seja especialista e que vá lá dizer como é que a escola deve fazer, mas, às vezes, as escolas e os seus profissionais estão tão mergulhados na sua rotina e têm as suas práticas tão cristalizadas que se veem incapazes de identificar aspetos a melhorar e a alterar. Outro aspeto importante é esta dimensão relativa ao conhecimento atualizado e científico. O SAME tem esta ancoragem: sendo uma estrutura de uma instituição de ensino superior que, também, se dedica à investigação pode criar estas sinergias entre a prática, a investigação e o conhecimento.

 

“Dos meus avós maternos, aprendi a importância da dedicação ao trabalho.”

 

Seja na área da Educação, seja na da Psicologia: qual é a marca que melhor caracteriza a FEP?

A proximidade é uma marca central e transversal a toda a oferta formativa da FEP e a verdade é que isto é muito visível, quer pelo modo como a faculdade organiza um sistema de tutorias, quer como os coordenadores e docentes de cada curso acompanham os seus alunos. Tratando-se de uma faculdade que forma profissionais que vão trabalhar tão diretamente com pessoas e que têm de desenvolver competências relacionais importantes que se alinham com os valores humanistas da Universidade Católica, a proximidade tem um relevo ainda maior e mais preponderante. Esta proximidade foi algo que me surpreendeu muito quando aqui cheguei, há seis anos, e que, ainda hoje, me continua a surpreender.

 

O que é que terá influenciado a sua escolha pela Psicologia e a sua dedicação ao trabalho?

A minha mãe era educadora de infância e de alguma forma creio que fui um bocadinho inspirada pelo trabalho com as crianças e com a preocupação pelo outro. Desde nova que me sinto interpelada ao contacto com o outro, à sensibilidade para outras realidades e, de alguma forma, à vontade de ajudar e de colaborar. Dos meus avós maternos, aprendi a importância da dedicação ao trabalho. A devoção ao trabalho faz-nos capazes de nos entregarmos plenamente a uma missão. E, claro, o meu pai e a minha mãe foram sempre uma fonte de suporte muito importante, permitindo-me, ainda hoje, esta dedicação ao trabalho.

 

O que é que a move?

Reflito muito acerca da sociedade em que quero que o meu filho de cinco anos um dia viva e de que forma é que eu posso contribuir positivamente para isso. Gostaria que ele vivesse numa sociedade tão diversa quanto possível e que pudesse relacionar-se com pessoas diferentes. No fundo, que possa ser livre naquilo que queira ser um dia. Pode parecer uma motivação autocentrada, mas de algum modo esta ideia representa a minha preocupação, que se tem agudizado nos últimos anos, sobre o que posso fazer diariamente para contribuir para uma sociedade mais inclusiva. Pensar no mundo motiva-me a querer compreender de que forma é que, enquanto pessoa individual, posso fazer um bocadinho mais todos os dias. Na minha profissão, estou a formar psicólogas e psicólogos que todos os anos vão sair da Universidade Católica para irem atuar em variadíssimos contextos. Seja numa escola, em clínicas, em centros comunitários, cada um destes psicólogos e psicólogas individualmente pode fazer a diferença. Profissionalmente, e também pessoalmente, procuro afirmar a inclusão e a diversidade. Também no campo da investigação, tenho procurado ir ao encontro destes temas, na expectativa de que a minha investigação e as minhas publicações possam contribuir para uma, verdadeira, conceção da diversidade.

 

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01-09-2022