Isabel Baptista: “A relação pedagógica deveria ser elevada a património imaterial da humanidade.”

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Isabel Baptista é natural de Viseu, tendo vivido a sua infância numa aldeia da Beira Interior (Antas). É nessa mesma aldeia que guarda memórias de infância muito felizes. É docente e investigadora da Faculdade de Educação e Psicologia. É, também, Provedora de Ética da Universidade Católica no Porto. Licenciada, Mestre e Doutorada em Filosofia, dedica a sua vida à Educação e ao constante questionamento: “procuro a verdade todos os dias”. O que é que a move? A possibilidade de relação com os outros. O que é que faz parte da sua rotina matinal? Uma caminhada não pode faltar, porque “reflete-se muito bem a andar a pé.”

 

O que se entende por Ética?

A Ética tem a ver com as escolhas que fazemos, com as qualidades de caráter que apreciamos e com os comportamentos que adotamos. A Ética é a ideia de viver a vida com sentido, com direção, com propósito. Não há Ética sem a prática do dia-a-dia e daí a importância de visarmos o Bem em todas as dimensões da nossa vida, tentando estabelecer relações respeitosas e cuidadoras. É o compromisso de contribuir para a vida em sociedade e, também, para a criação de comunidades mais justas, mais humanas e solidárias.

 

“A Ética é inerente à vida humana.”

 

Dedica a sua vida à Educação e à Ética…

A minha vida está profundamente ligada à Educação e se a Ética é inerente à vida humana, ela está presente, com responsabilidade acrescida, na minha vida profissional. É claro que é parte intrínseca da atividade pedagógica, que neste caso é aquela que eu exerço. Enquanto educadora, tenho a missão de influenciar os outros. Assumo, portanto, o compromisso ético de, desde logo, assumir padrões de conduta que sejam consonantes com esta missão, mas, também, ajudar a promover junto dos outros essa consciência e esse espírito.

 

“Um professor é um profissional da relação.”

 

Tudo começou na Filosofia. Licenciada, Mestre e Doutorada em Filosofia.

Sim, a filosofia foi o caminho que escolhi. Desde cedo comecei a interessar-me muito e a ler sobre Filosofia. Este apetite pelas leituras manteve-me sempre muito envolvida com os temas filosóficos. A minha família tem, também, uma certa vocação metafísica com muitos professores e com pessoas ligadas à vida religiosa. Cedo, todas estas pessoas me iniciaram nas questões da reflexão mais metafísica, sobre o sentido da vida.

 

Quais são as suas principais memórias de infância?

São memórias muito felizes que têm inspirado toda a minha vida e todo o meu percurso profissional. Tive a sorte e a felicidade de crescer numa aldeia da Serra da Estrela, onde os meus pais eram professores primários. Acabei por viver numa pequena comunidade, onde todos cuidavam de todos e onde eram fortes os laços de vizinhança. Nesse tempo, muitos professores primários viviam no andar de cima da escola, por isso posso dizer que nasci dentro da escola. Acho que isso explica esta minha ligação à educação.

 

“Ser Provedora de Ética é uma enorme responsabilidade e um privilégio.”

 

Começou o seu percurso profissional no ensino primário?

Sim e foi na Escola do Magistério Primário do Porto que eu fui formada para a pedagogia. Para se ser professor não basta ter-se conhecimento ou ser-se especialista numa determinada área, um professor é um profissional da relação humana, a quem cabe a responsabilidade de ajudar a formar outros.

 

É Provedora de Ética da Universidade Católica no Porto. Como é que encara este desafio?

É uma enorme responsabilidade e é, também, um privilégio. Ao provedor cabe sobretudo assegurar a observância dos valores e das normas de conduta que estão expressos no código de ética da Universidade Católica Portuguesa. Ser provedora de ética é muito mais do que a pessoa a quem se reportam situações que ferem ou vão contra esses valores e essas  as normas. Vivo esta missão, em primeiro lugar, numa linha de promoção de uma cultura de bem-estar e de cuidado, tentando promover a salvaguarda e a promoção desses valores que inspiram a vida da universidade, seja nas atividades de ensino, na investigação ou no serviço à comunidade. É a partir desta preocupação que deverão ser assegurados os mecanismos internos de proteção, de cuidado e de reporte de situações problemáticas. Muitas vezes procuram-me simplesmente para partilhar inquietações e reflexões pessoais. Isto é o reflexo da cultura ética da nossa instituição. Dias como o Global Ethics Day desafiam-nos a pensar sobre o papel da ética no compromisso com bem comum e sobre a necessidade de refletirmos sobre a forma como, no dia a dia, nos relacionamos ou como comunicamos.

 

O que mais importa é a forma como nos relacionamos?

Esse é o apelo que é feito hoje para a toda a sociedade. O Santo Padre fala-nos na importância de sonhar e cuidar juntos. Eu penso que é que essa cultura de cuidado, de proteção, de promoção dos valores que nos distingue como Universidade Católica.

 

“Os educadores são otimistas por natureza.”

 

Como é que se educa para a Ética?

Não se educa para a Ética sem ser desde a Ética. Só educamos para os valores desde os valores, não é? Esta é a questão principal. A Ética é algo interior à vida humana. É uma exigência de todos e é natural à vida, enquanto vida pautada por um sentido. Muitas vezes as pessoas convocam a Ética como se fosse uma cosmética social. A Ética não é algo que se acrescenta ao que fazemos para dar mais valor. A Ética é uma exigência interior e, por isso, a reflexão ética é muito importante de forma a se promover o bem, mas também a conseguir criar condições para o concretizar. A Filosofia e a Ética são disciplinas muito ligadas à vida e à prática do quotidiano e, por isso, é assim que deve ser trabalho. Aprendi desde cedo com um filósofo, que é o mestre de todos os filósofos e que se chama Sócrates, que a única vida digna desse nome é uma vida socializada e refletida. Para mim, isto é o essencial do compromisso da Ética.

 

Na Universidade Católica Portuguesa no Porto dedica-se, enquanto docente e investigadora, concretamente à Pedagogia Social. Em que é que consiste?

A Pedagogia Social é uma ciência da educação que é construída na ligação entre a educação e a solidariedade social. Normalmente as pessoas associam a tudo o que é educação não escolar, mas nós não gostamos de a identifica pela negativa. No fundo, a Pedagogia Social refere-se à concretização da educação como direito de todas as pessoas, ,, com especial atenção para as pessoas mais vulneráveis. Esta área prende-se com a ideia de capacitar as pessoas, as instituições e as comunidades numa lógica de educação e formação ao longo da vida. Acreditamos no poder transformador da educação. 

 

“Aquilo que nos distingue é esta matriz de valores que inspira o nosso diário pedagógico.”

 

Qual é o poder da educação?

É o poder de influenciar, de ajudar a mudar, percursos de desenvolvimento humano.  Eu não posso ser educadora se não acreditar no poder da educação e se não acreditar que todas as pessoas têm capacidade para fazer um percurso de melhoria de aprendizagem. De certa forma, por inerência, os professores são profissionais dotados de fé antropológica, de crença na condição humana. Os educadores são otimistas por natureza. Como professora, acredito não só na capacidade que o outro tem de poder fazer um trabalho de aperfeiçoamento e de evolução, mas que o poderá fazer com o meu contributo. É aqui que assentam as questões ligadas ao compromisso ético-pedagógico.

 

O que diferencia a Faculdade de Educação e Psicologia da Católica?

Aquilo que nos distingue é a nossa cultura. Não basta dizer que é preciso mais educação e uma educação que seja para todos. Precisamos de uma outra educação, de uma educação que seja, de facto, pautada por valores humanistas e orientada para a promoção do desenvolvimento integral da pessoa, numa perspetiva de relação saudável com a vida e com o mundo. Aquilo que nos distingue é esta matriz de valores cristãos que inspira o nosso ideário formativo evidenciado no respeito por todas as pessoas, em particular pelos alunos na quantidade dos projetos que desenvolvemos e no serviço que prestamos à comunidade. Na educação, por exemplo, temos uma ligação muito forte às escolas. Para além disso, somos uma universidade pioneira na área da Pedagogia Social, com igual ligação aos contextos de formação ao longo da vida e de combate à exclusão social. Somos a primeira universidade com formação pós-graduada nesta área.

 

Algum livro que gostaria de recomendar que reflita sobre a Ética?

Eu recomendaria um livro editado recentemente pela Universidade Católica Editora. Chama-se “A Sociedade do Cuidado”. Parte da reflexão da experiência coletiva gerada pela pandemia e que veio evidenciar aquilo que todos nós já sabíamos, que estamos todos ligados, que todos somos vulneráveis e que todos precisamos de ajuda. O livro integra contributos de pessoas que têm esta preocupação ética e que vêm de áreas de conhecimento diferentes.

 

Qual é o grande desafio de ser professora?

Os professores têm uma autoridade profissional que tem de ser colocada ao serviço da liberdade dos outros. Enquanto professora, estou permanentemente a tentar convidar o outro a fazer um caminho de aprendizagem. Tenho de conseguir despertar em cada aluno o desejo de aprender de forma a poder ensinar-lhes a dar conteúdo à sua própria liberdade. Para isto, a base da metodologia é sempre a comunicação e a relação, ingredientes fundamentais de uma espécie de “alquimia pedagógica”. Pessoalmente, defendo que a relação pedagógica deveria merecer ser elevada a património imaterial da humanidade. É uma relação tão especial, difícil e desafiante que marca vida de muitas pessoas.  

 

“Move-me o desejo de continuar em relação com os outros.”

 

Estudar Filosofia moldou-a de que forma?

Devo à Filosofia o ser mais observadora e atenta e o ter aprendido a cultivar o constante prazer pelo questionamento radical e permanente. Nunca estamos satisfeitos, porque procuramos continuamente respostas. O nosso lema é a procura da verdade e do bem e, como o Papa Francisco diz, esta procura tem de se fazer no concreto do dia-a-dia.

 

O que é que a move?

Move-me o desejo de continuar em relação com os outros. Sempre numa lógica de serviço e, no meu caso concreto, através da educação. No essencial, é isto que me move. Começo todos os meus dias com uma caminhada. Gosto de refletir a andar a pé. De certa forma, também se pensa bem com os pés.

 

 

pt
19-10-2022