Pedro Amaro Santos: “Temos de fazer acontecer a esperança.”

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Pedro Amaro Santos tem 31 anos, é natural da Trofa e frequentou a Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos, da Universidade Católica Portuguesa no Porto. Em plena crise de refugiados esteve, enquanto voluntário, na Grécia e quando voltou teve a certeza de que a Grécia era apenas “um ponto de partida”. É cofundador da MEERU, cujo trabalho consiste em humanizar o acolhimento de pessoas migrantes e refugiadas em Portugal. Trabalha, também, no Instituto Padre António Vieira e confessa que “sou uma das pessoas sortudas que pode dividir a sua vida entre várias coisas.”

 

Em 2016, viaja até à Grécia para ser voluntário em plena crise de refugiados no Mediterrâneo. De que forma é que esta experiência marcou a sua vida?

Foi tão marcante que quando regressei da Grécia soube que queria que a minha vida passasse por aqui. Não foi propriamente na Grécia que percebi isso, mas foi graças à Grécia. Quando regressei comecei a dinamizar uma série de iniciativas relacionadas com o tópico das migrações e dos refugiados, uma delas até decorreu na Católica. Foi a partir deste interesse que me inscrevi logo na Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos.

 

“A experiência na Grécia acabou por ser para mim um ponto de partida para aquilo que é a minha vida atualmente.”

 

Como é que descreve a sua experiência na Grécia?

Estive como voluntário inserido na Plataforma de Apoio a Refugiados (PAR), a organização portuguesa mais expressiva na linha da frente. A missão da PAR é “cuidar da espera”. Promovíamos atividades e momentos de acolhimento e de encontro. Proporcionávamos e oferecíamos um conjunto de serviços às pessoas enquanto que estavam ali temporariamente. Éramos o rosto de uma Europa que não vira as costas. Embora, às vezes, não seja bem essa a imagem que passamos …

 

Como foi regressar a Portugal depois do seu tempo de missão?

Trouxe a Grécia comigo, porque, apesar de já ter regressado, senti-me profundamente comprometido com a missão. Foi uma experiência muito marcante, porque não ficou por ali. A experiência na Grécia acabou por ser para mim um ponto de partida para aquilo que é a minha vida atualmente.

 

É licenciado em História e a descoberta pela área social e pelo tema das migrações foi mais tardia.

Todas as pessoas que gostam de História são pessoas curiosas pelo mundo. Queremos perceber como é que chegámos até aqui, de onde vimos, para onde estamos a ir. Foi isso que me fez escolher estudar História. O interesse por trabalhar profissionalmente na área social surgiu mais tarde, embora, durante toda a minha vida, sempre tivesse estado envolvido em várias associações e em grupos de jovens. No fundo, sempre estive próximo desta área, mas não me ocorria que o meu percurso profissional pudesse passar por aqui. O interesse concreto pela área social surge quando me fui apercebendo que a História do presente em vários lugares do mundo é extremamente desafiante. Fui-me interessando, cada vez mais, pela atualidade e pela causa dos direitos humanos. Fui sendo confrontado por uma série de realidades que causaram em mim alguma hostilidade e vontade de fazer parte da transformação.

 

Inscreveu-se na Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos, um programa conjunto da Faculdade de Educação e Psicologia, da Escola do Porto da Faculdade de Direito e da Área Transversal de Economia Social, e funda a MEERU…

Praticamente tudo em simultâneo. Quando entro para a Católica já tinha a ideia de que queria fazer alguma coisa, mas é durante o curso que, em conjunto com outros colegas, vamos cruzando sonhos e objetivos. Foi assim que nasceu a MEERU, em 2019. A Pós-graduação foi muito importante, porque nos deu estrutura e porque foi o local ideal para fazer acontecer a nossa ideia.

 

O que é que mais destaca na Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos?

Sem dúvida, o seu cariz interdisciplinar. É um curso que cruza várias áreas e que nos dá uma perspetiva muito transversal e muito diversa acerca do tema dos Direitos Humanos. Durante a formação cruzamo-nos com muitos temas, áreas, abordagens, perspetivas e professores e convidados com diferentes experiências.

 

“Na MEERU temos um grande foco na capacitação.”

 

Em que consiste a MEERU?

O nosso trabalho consiste em humanizar o acolhimento de pessoas migrantes e refugiadas em Portugal. Criamos e estabelecemos relações entre os locais e as pessoas migrantes, de forma a que os primeiros sejam amigos, guias e mediadores de quem precisa, ajudando a combater o isolamento e a exclusão social. Trabalhamos para assegurar que os migrantes e refugiados são verdadeiramente acolhidos. Acreditamos que isso vai muito para além de terem uma casa e um emprego.

 

Como é que isso se materializa?

Temas uma equipa de voluntários que partilham a vida com famílias de migrantes e refugiados. A MEERU é a estrutura, a base e a casa a partir da qual esta verdadeira integração acontece. Capacitamos os voluntários para que eles sejam capazes de ir verdadeiramente ao encontro de quem mais precisa. Temos um grande foco na capacitação e no acompanhamento destas pessoas voluntárias para que depois trabalhem com cada uma dessas famílias.

 

O que significa MEERU?

MEERU é o nome de uma criança paquistanesa que muitos de nós conhecemos na Grécia. Quando fundámos a MEERU queríamos que o nome refletisse a ideia de humanidade e nada melhor que usarmos o nome de uma pessoa.

 

Quem é que pode ser voluntário da MEERU?

Qualquer pessoa pode ser. Não procuramos voluntários com nenhuma idade ou experiência específica. Não procuramos sequer pessoas que tenham muito tempo livre. Procuramos quem tenha disponibilidade e capacidade de, naquele momento a que se propôs, ser próximo de alguém que precisa. Procuramos voluntários que tenham vontade de trazer para a sua rede de relações significativas uma pessoa ou uma família migrante ou refugiada. Trabalhamos com cerca de quatro ou cinco voluntários por cada família e atuamos no Grande Porto, em Braga, em Barcelos e em São João da Madeira. Trabalhamos com uma rede de mais de cem voluntários, muitos portugueses, mas, também, de outras nacionalidades, dos 18 aos 70 anos de idade e com percursos e experiências de vida muito diferentes. Temos uma comunidade muito diversa. É através desta rede de voluntários que desenhamos um novo paradigma para o acolhimento de pessoas migrantes e refugiadas. Partimos da ideia e da convicção de que o acolhimento e as relações de proximidade são fundamentais no processo de integração.

 

“Um bom líder tem de ser alguém altamente marcado pela dimensão humana.”

 

No seu LinkedIn, podemos ler que é “cofundador de uma organização que acredita que podemos construir um futuro onde a minha humanidade não vale pelo lugar de onde eu sou, mas sim pela forma como me entrego e relaciono.” O que é que quer transmitir com esta frase?

Eu acredito muito nisto. São mesmo as relações que estabelecemos com as pessoas à nossa volta que marcam a vida. Já não interessa tanto se sou do Norte ou do Sul ou se sou da cidade A ou da B. São as relações que temos à nossa volta que marcam. Já não é “penso logo existo”. É muito mais “relaciono-me logo existo”. Claro que não funciona sempre assim, porque continuamos a assistir a uma série de realidades cuja origem ainda é uma condicionante com um forte peso. Mas é na entrega e na forma como nos relacionamos que está a nossa verdadeira identidade.

 

Para além da MEERU, também trabalha no Instituto Padre António Vieira.

Sou uma das pessoas sortudas que pode dividir a sua vida entre várias coisas. Sou adjunto da direção do IPAV que promove a Academia de Líderes Ubuntu, um projeto de educação não formal. Trata-se de uma “escola” de líderes servidores, cuidadores e construtores de pontes. Trabalhamos com cerca de 400 escolas espalhadas por todo o país e estamos, também, em mais de 20 países de todo o mundo.

 

E por falar em líderes… Lidera a MEERU. O que é que faz um bom líder?

Não me sinto bem em propriedade para poder comentar isso (risos), mas a minha preocupação consiste no “cuidar”. É muito importante saber cuidar da equipa, cuidar das pessoas que estão à nossa volta. Um bom líder tem de ser alguém altamente marcado pela dimensão humana. As coisas só funcionam quando o líder é um instrumento capaz de potenciar a melhor versão e o maior talento de cada uma das pessoas da sua equipa. É para aqui que tento caminhar…

 

“Como é que não poderia ter esperança?”

 

Recomenda algum livro para quem tenha especial interesse pelo tema das migrações?

Notas sobre um Naufrágio, de Davide Enia. É um relato na primeira pessoa da experiência do autor em Lampedusa, um lugar muito marcante para quem tenta chegar à Europa. Ao longo do livro, o autor partilha a sua experiência e a relação dele com as pessoas à sua volta, enquanto pai, tio, marido. É um livro leve sobre uma realidade muito dura. É muito poético.

 

Reparei que tem escrito na sua camisola: “Esperançar”. Olha para o futuro com esperança?

Olho para o futuro com muita esperança. Trabalho com situações muito complexas e com realidades muito desafiantes, mas, curiosamente, é nestes lugares que encontro o melhor das pessoas e que me deparo com histórias de superação inacreditáveis. Milagres autênticos. Como é que não poderia ter esperança? Esta camisola que tenho vestida é do IPAV e o “esperançar” significa que temos de fazer acontecer a esperança. O verbo “esperançar” mostra-nos que a esperança começa quando decidimos avançar e agir.

 

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04-10-2023