Patrícia Oliveira-Silva: “A internacionalização já não é uma matéria de opção no Ensino Superior.”

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Patrícia Oliveira-Silva é neurocientista, docente da Faculdade de Educação e Psicologia (FEP) e coordenadora do Human Neurobehavioral Laboratory (HNL). É, também, membro da direção da faculdade para a Investigação, Transferência de Conhecimento e Internacionalização e explica que o que melhor define o ambiente da FEP é o “compromisso autêntico” com a educação e a investigação. Nos tempos livres? Gosta de saborear música, como quem saboreia comida, e gosta de ir para o Gerês fazer caminhadas!

 

Nasceu em Mossoró, uma cidade no Nordeste do Brasil. Quais são as suas principais memórias?

Sim e talvez seja uma cidade que poucos conheçam. A minha infância foi passada muito em contacto com a natureza. Fascinava-me explorar a natureza, brincar com a terra e com os animais. Lembro-me que, sem grandes recursos disponíveis, inventava os meus próprios brinquedos. Com pouca coisa era feliz.

 

Foi esse seu contacto com a natureza que explicou a sua escolha pela Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte?

Sim, este contacto com a natureza sempre me definiu e acho que, naturalmente, também acabou por orientar a minha escolha. Mas também tive muitas dúvidas e cheguei a estar indecisa entre muitas áreas. Ciências Biológicas dava-me a segurança de ter uma maior variedade de opções de escolha no meu futuro profissional.

 

“Cada vez que leio um artigo científico deparo-me com a minha própria ignorância.”

 

Mais tarde fascina-se pelo mundo das neurociências. Porquê?

Não consigo olhar para as neurociências como uma área isolada. Aquilo que me atrai, verdadeiramente, é a possibilidade de diálogo com outras áreas de estudo. No HNL não estamos, unicamente, a olhar para os neurónios, mas sim a observar o cérebro no que se refere ao comportamento, através de fenómenos elementares na regulação emocional, na tomada de decisão, enquanto consumidores ou na interação diária entre as pessoas. Talvez aquilo que mais me agrade nesta área seja a possibilidade que ela me dá de cruzar o meu trabalho com áreas diferentes. Quase que podemos dizer que as neurociências são uma manta de retalhos, mas é isso que faz dela uma área tão fascinante. É isto que me faz sentido enquanto profissional, é esta diversidade que não me deixa estar presa a um só tópico e que, por isso, me desafia e estimula tanto.

 

É uma área onde está sempre a surgir algo de novo…

Há sempre algo novo para nos encantar e por isso há sempre muito trabalho para a investigação. Essa frustração é algo que o neurocientista tem de aceitar e que deve ser vista como um estímulo, temos de nos alimentar dessa curiosidade sem fim. Cada vez que leio um artigo científico deparo-me com a minha própria ignorância quanto ao comportamento do cérebro. Não será a geração de neurocientistas a que pertenço, nem a próxima que vai compreender de forma muito clara como é que o cérebro funciona. Há sempre caminho para fazer e isso é verdadeiramente estimulante.

 

Fez o Doutoramento em Psicologia Clínica e focou-se no tema da empatia.

Através das técnicas das neurociências estudei a empatia, mas numa perspetiva mais objetiva. Não me interessava tanto se o indivíduo sentia empatia, mas sim o que é que ele fazia com ela. Quando eu sinto empatia por alguém de que forma é que a manifesto no meu comportamento?

 

A empatia é e será sempre a base daquilo que define as nossas relações?

Sim, a empatia está na base das nossas relações sociais e nunca foi tão urgente e tão premente que tivéssemos realmente alianças sociais, locais, nacionais e internacionais. As pessoas precisam de trabalhar juntas para que possam responder aos problemas complexos que temos. A empatia passa muito por esta dimensão: Quão disponível estou para me dedicar e prestar atenção aos outros? Quão disposta estamos em perceber as necessidades dos outros? Tenho a certeza absoluta que o tema da empatia será continuamente abordado, principalmente porque é necessário desenvolver, educar e consciencializar as próximas gerações para isto.

 

“Já não conseguimos fazer investigação de impacto, nem formar profissionais para o futuro, se estivermos fechados na nossa comunidade.”

 

Veio para a Católica, em 2015, para coordenar o HNL. Como é que este laboratório se distingue?

São poucos os laboratórios de neurociências que abandonam a neurociência mais pura, mais crua de estudar o cérebro e os neurónios em particular e se abrem para criar pontes com outras áreas. O HNL tem uma visão muito multidisciplinar que nos identifica e que nos distingue relativamente aos restantes. É esta nossa missão que também nos tem permitido ter muitos parceiros internacionais pelo mundo fora: Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Itália e até com o Leste Europeu. Assumimos um compromisso grande com a nova geração de neurocientistas, dando-lhes a oportunidade de participarem e crescerem connosco. Temos na equipa alunos do primeiro, segundo e terceiro ano de licenciatura, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, alunos nacionais e internacionais. A diversidade habita o nosso laboratório.

 

Como descreve o caminho que tem sido feito até aqui?

Ainda que com um investimento relativamente reduzido temos conseguido participar em redes de investigação e estar próximos da comunidade. Aumentamos, consideravelmente, o número de estudos feitos com empresas. Com a parceria com outras faculdades da Católica no Porto, como são exemplo a Escola Superior de Biotecnologia e a Escola das Artes, temos conseguido chegar ao nosso objetivo da investigação aplicada. Temos o compromisso de fazer investigação que um cidadão comum seja capaz de perceber e que no limite até possa participar connosco. É a nossa comunidade que nos tem de desafiar para aquilo que é realmente relevante. As neurociências, enquanto metodologia, têm de se aplicar a diferentes focos e a multidisciplinaridade que distingue o HNL é crucial neste desafio.

 

Integra a Direção da Faculdade de Educação e Psicologia e é responsável pela pasta da Internacionalização. Que importância é que a internacionalização tem para a faculdade?

A internacionalização já não é uma matéria de opção no Ensino Superior. Já não conseguimos fazer investigação de impacto, nem formar profissionais para o futuro se estivermos fechados na nossa comunidade. Na FEP queremos promover esta abertura e queremos facilitar aquilo que é o desenvolvimento de competências como o combater a inibição de falar outro idioma, ou a aceitar a diversidade cultural, mesmo quando ainda nos causa estranheza. Enquanto faculdade, o nosso principal compromisso é permitir que os alunos estejam bem preparados para o desafio da globalização, que não diz unicamente respeito à mobilidade dos nossos alunos, mas, também, à internacionalização da nossa casa. Queremos ser casa para alunos estrangeiros. A ideia de internacionalização é uma ideia que é transversal a toda a nossa atuação: no ensino, na investigação, nas experiências académicas, no voluntariado.

 

“Quero que os meus alunos se emocionem com a própria investigação que fazem.”

 

Como é que define o ambiente que se vive na FEP?

Se só pudesse usar uma palavra diria “compromisso”. Desde a investigação até ao ensino, a atitude que vejo dos meus colegas é uma preocupação genuína e um compromisso autêntico de poder ter impacto na investigação, na educação e na preparação desses jovens. Define-nos também a nossa abertura e disponibilidade para trabalhar juntamente com a comunidade.

 

“Experimentar músicas é como saborear culinárias diferentes.”

 

Tem-se dedicado ao estudo da música. Qual é o seu interesse por esta área?

Inicialmente surge por um interesse pessoal. Gosto muito de música, sou uma grande consumidora de música. Também tenho músicos na família e, por isso, é fácil perceber esta identificação. A música sempre foi um tipo de estímulo utilizado nos meus estudos como forma de indução emocional. Mais tarde recebi um pedido para orientar um músico no seu doutoramento e foi aí que se iniciou esta linha de investigação. Muitos acreditam que ouvir música é apenas uma experiência sensorial, mas é muito mais que isso. A música influencia o nosso comportamento de uma forma que nós nem conseguimos dimensionar. Seria impossível estudar a regulação emocional, que é uma das outras linhas de investigação do HNL, sem que a música estivesse associada.

 

Como é que um bom investigador deve ser?

Um bom investigador tem que ser muito humilde para não se deixar enviesar pelas suas próprias questões de investigação, ou seja, tem que aceitar que, muito provavelmente, estará errado. A investigação pode ser uma frustração, mas, também, é esta dimensão que faz de nós pessoas mais resilientes. Ao investigador não basta ter curiosidade, isso não chega, porque para além disso tem de criar uma profunda empatia pelo tópico da investigação. É esta empatia e este envolvimento que vão gerar o compromisso e que vão dar um propósito ao trabalho. É importante que o investigador saiba o porquê de estar a implementar uma determinada linha de investigação. Os desafios a que queremos dar resposta são mais facilmente ultrapassados, quando conseguimos ver claramente a razão que me leva a querer explorar e descobrir mais e melhor. Insisto muito nisto com os meus alunos, porque quero que eles se emocionem com a própria investigação e quero que tenham orgulho naquilo que publicam, não quero que banalizem o fim de um mestrado ou de um doutoramento. Quero que reconheçam o facto de terem criado valor e que a investigação também é uma descoberta pessoal.

 

Que tipo de música gosta de ouvir?

Muito variada (risos)! Normalmente, gosto de músicas mais calmas, são as que me trazem mais conforto e tranquilidade. O meu marido é músico clássico e sofro algumas dessas influências. Gosto de experimentar estilos diferentes e uma das minhas últimas descobertas foi a ópera. Experimentar músicas é como saborear culinárias diferentes. É uma experiência que leva o seu tempo e muitas vezes nem penso se estou a gostar ou não, mas deixo-me simplesmente ouvir a peça até ao fim e perceber o que emerge em mim. Ouvir música também é para mim uma espécie de experiência científica.

 

Para além de ouvir música, o que é que também gosta de fazer nos seus tempos livres?

Estar no meio da natureza, caminhar livremente. Tenho dois cães que me convidam a isso. Seja num dia de sol ou de chuva, estar ao ar livre, para mim, é revigorante, são diferentes formas de me emocionar com a natureza. Mesmo no Inverno, não abdico de ir caminhar para o meio da natureza. Visto um bom casaco e umas galochas e lá vou eu.

 

Tem algum local favorito por onde goste de caminhar?

Aos fins-de-semana poderão encontrar-me facilmente pelo Gerês.

 

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02-06-2022