Maria Dória: “Ter tempo para as pessoas é o mais importante.”

Pessoas em Destaque

Maria Dória trabalha nos Recursos Humanos e é a colaboradora mais antiga da Universidade Católica Portuguesa no Porto. Soma 46 anos ao serviço da Universidade e a partir do dia 1 de dezembro estará reformada. O seu percurso começou desde os primórdios da Católica no Porto, quando apenas tinha 19 anos e tinha acabado de regressar de uma aventura de três anos em Londres. Na Católica, assumiu diferentes funções sempre com grande empenho e lealdade e para si “o mais importante são as pessoas”. Uma pessoa inspiradora? O Professor Carvalho Guerra. Planos para a reforma? Família, amigos e aprender a fazer tapetes de Arraiolos. De que é que vai ter mais saudades? Das pessoas.
Até já, Maria!

 

Está na Universidade Católica no Porto há 46 anos, praticamente desde o primeiro dia. Como é que vem aqui parar?

Vim parar à Universidade Católica por causa do Professor Carvalho Guerra. O Professor conhecia os meus pais e, na altura, procuravam uma pessoa para a abertura da Universidade e eu fui convidada. Tinha 19 anos. Eu era praticamente da mesma idade que a maioria dos estudantes que, naquele ano, inauguraram a Universidade Católica Portuguesa no Porto, na Licenciatura em Direito. Alguns dos quais são, atualmente, professores da casa.

 

Antes de vir trabalhar para a Católica, viveu cerca de três anos em Londres. Como foi essa experiência?

Foi um tempo em que eu desabrochei. Tinha 16 anos quando fui para Londres. Fui para lá depois de ter terminado no Porto a Escola Comercial. Tinha uma tia a viver em Londres e os meus pais quiseram que eu fosse para lá, porque vivíamos aqueles tempos em que não se sabia o que se esperar da situação política em Portugal. Em Londres estudava inglês e trabalhava num hostel. Foram anos maravilhosos.

 

No primeiro ano, o edifício onde funcionava a Católica no Porto era na Torre da Marca.

Precisamente. É um edifício que fica em frente ao Palácio de Cristal. O responsável na altura pela Torre da Marca era o Dr. Godinho de Lima. De repente, viu o seu edifício ser invadido por cerca de oitenta e tal estudantes cheios de energia que gostavam de fazer umas asneiras (risos). Faziam trinta por uma linha e eu era praticamente da idade deles. Ria-me perdidamente. Era eu que tocava o sino para dar as entradas e as saídas das aulas. Veja lá que há um dia em que decidem roubar-me o sino. Não houve aulas para ninguém (risos).

 

“Foi com o Professor Carvalho Guerra que aprendi a ouvir as pessoas.”

 

Durante esses primeiros tempos que funções assumiu?

Eu era a única a trabalhar para a Católica nesse primeiro ano e, por isso, fazia de tudo, literalmente. Fazia serviço administrativo, garantia que, no final das aulas, as salas ficavam com as mesas e cadeiras alinhadas, lançava as pautas, datilografava o que me pediam. Quando as notas saíam nós não tínhamos onde as afixar e, nesses momentos, eu dava o meu número de telefone aos alunos. O resultado é que eu chegava a casa e tinha os alunos a ligarem-me para saber a sua nota. Era uma maneira muito caseira de se trabalhar, muito familiar. A maioria dos processos são, hoje em dia, impensáveis, mas, há 46 anos, foi assim que a Católica começou.

 

Trabalhou com o Professor Carvalho Guerra de uma forma muito próxima. Que importância é que teve na sua vida?

Aprendi muito com o Professor Carvalho Guerra. O que hoje sou devo-o em grande parte ao Professor. Por algum motivo é conhecido por tantas pessoas como “Pai Guerra”. Tem uma característica que para mim é fundamental: tinha sempre a porta aberta do gabinete. A qualquer hora, qualquer pessoa podia lá entrar. Ele tinha sempre tempo e ouvia as pessoas como se não tivesse mais nada para fazer. Foi com ele que aprendi a ouvir as pessoas e a fazer disso uma prioridade.

 

Quando é que a Católica se muda para a Foz, mais concretamente para o Edifício do Paraíso?

Cerca de um ano e meio depois. Quem não conheceu a Universidade Católica na altura, nem imagina como é que isto na Foz era. Só existia o Edifício do Paraíso e o resto era tudo campo e havia cavalos. Lembro-me que nos dias de inverno em que anoitecia cedo, tínhamos de sair do edifício acompanhados pelo Sr. Carvalho que nos guiava com uma lanterna. Gostávamos tanto do Sr. Carvalho, temos muitas saudades dele. Era contínuo, um excelente funcionário da casa e era de uma simplicidade maravilhosa. Na altura, também entrou para a Universidade a Rosa Lina, outra pessoa que também acompanha a Católica no Porto praticamente desde os primórdios.

 

Ao longo do seu percurso na Universidade, assumiu diferentes funções. No início fez um bocado de tudo, depois passou pela Contabilidade e também pelos Recursos Humanos. O que é que mais a preencheu?

Os Recursos Humanos, precisamente por causa do contacto com as pessoas.

 

30 anos depois de ter estado a trabalhar no campus da Foz, foi chamada para ir para o campus da Asprela, onde funcionava a Escola Superior de Biotecnologia e a Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem. É verdade que houve quem assinasse um abaixo-assinado para não sair da Foz?

É verdade, alguns professores (risos). Mas para mim era claro que se a minha chefia me pedia para eu estar num determinado local eu não podia dizer que não, por isso recusei qualquer abaixo assinado que simpaticamente foi assinado pelas pessoas que não queriam que eu fosse para longe. Fui para a Asprela e integrei uma equipa nova de RH, dirigida pela Cláudia Cunha, a quem devo o ter sido maravilhosamente bem recebida e acolhida. Chegou, também, a fazer parte dessa equipa a Cláudia Cabral, com quem, mais tarde, vim a integrar o gabinete jurídico e com quem, atualmente, divido gabinete, novamente inseridas na Direção de Recursos Humanos. É aqui que encerro o meu percurso na Católica que fica, também, marcado por funções, lugares e equipas diferentes.

 

“Quero gozar bem estes tempos.”

 

Passados 46 anos, o sentimento é de missão cumprida?

Acima de tudo, aquilo que orienta a minha vida, e que naturalmente orientou o meu trabalho ao longo de 46 anos na Universidade, foi a vontade de ajudar os outros. Mais do que missão cumprida, sinto que é um dever cumprido. O dever e o compromisso de ajudar e de apoiar os outros são centrais na minha vida. Não o faço por obrigação, faço-o por verdadeiro gosto.

 

É uma boa ouvinte?

Sempre procurei ir ao encontro das pessoas e para isso sempre me propus a ouvi-las. Para o que fosse preciso, seja para temas relacionados com a Universidade, seja outros temas de âmbito pessoal. Faço por olhar para as pessoas como pessoas. Para mim, essa é a regra número um. É uma regra que considero extremamente importante para a instituição. Temos de olhar para as pessoas como pessoas e não como números. Foi sempre isso que tentei fazer.

 

Que característica considera indispensável para quem trabalha com pessoas?

Ter tempo. Ter tempo para as pessoas é o mais importante. Pode estar a cair tudo o que está atrás de mim, mas, naquele momento, se alguém precisar de mim, eu tenho de lá estar. Para o que ficou por fazer naquele momento há sempre solução.

 

“Saio com um enorme carinho pelas pessoas.”

 

Está a poucos dias de se reformar. Qual a sensação?

A partir do dia 1 de dezembro sou oficialmente pensionista (risos). Há fases para tudo. Há a fase de se trabalhar e há a fase de se ser reformado. Quero gozar bem estes tempos. Será um tempo para gozar com a família, com os amigos e, muito importante, comigo mesma também.

 

Que planos tem para os próximos tempos?

Vou ter mais tempo para os meus dois netos, certamente, mas há muitas outras coisas que me vão ocupar. Gosto muito de desporto e, também, estou interessada em começar a ter aulas numa Universidade Sénior para aprender a fazer tapetes de Arraiolos. E para começar bem a reforma, vou já no início de dezembro para a Madeira. A família do lado do meu pai é da Madeira e, apesar de já lá ter ido várias vezes, é sempre bom voltar.

 

De que é que vai ter mais saudades da Católica?

Das pessoas. Saio com um enorme carinho pelas pessoas. Levo-as comigo!

 

pt
23-11-2023