Carlos Lobo: “A Arte é o espelho da alma”

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Carlos Lobo é docente da Escola das Artes, fotógrafo e músico. Nasceu em Guimarães, em 1974, e recorda uma infância muito rica em memórias felizes e histórias de cowboys. Começou por estudar Línguas e só mais tarde é que descobre a Fotografia. Uma Pentax K1000 foi a sua primeira “máquina de guerra”. Atualmente, é o coordenador do Mestrado em Fotografia, curso pensado “não apenas no lado mais técnico, mas, também, na dimensão mais conceptual da Fotografia”. Enquanto professor, o que mais o marca é a possibilidade de “acompanhar o percurso dos seus alunos” e saber que “contribuiu para que descobrissem a sua paixão”.

 

O que é que o move?

Gosto muito da vida, tenho uma paixão grande por viver. Somos uns afortunados por estar aqui e por podermos respirar. Todos os dias é uma espécie de um dia a menos…

 

O que é que a Fotografia representa na sua vida?

A Fotografia, para mim, é uma forma de olhar o mundo. É uma forma de dar atenção às pequenas coisas. A vida é feita destas pequenas coisas e a Fotografia permite-nos olhar com mais atenção para o que nos rodeia. Se calhar, vai chegar uma altura em que já não vou precisar de fotografar, porque as memórias me vão bastar, mas, para já, a Fotografia continua a ser a forma que tenho de fixar essas imagens.

 

Quais são as suas principais memórias de infância?

Sou uma criança nascida em Guimarães, em 1974. Felizmente, não havia a tecnologia que há hoje. Tive uma infância marcada por brincar na rua, muitas corridas e muitos momentos em casa dos meus avós paternos. O meu avô tinha uma padaria que, na altura, nos parecia gigantesca, era um verdadeiro forte para brincadeiras de cowboys e índios. Foi uma infância muito rica. 

 

Só sai de Guimarães quando vai para a Universidade …

Sim, vou para Aveiro para estudar Letras. Quando terminei o curso, iniciei a minha atividade como professor de inglês. Depois de três anos, decido que quero mudar. Sentia que queria algo diferente e, como já tinha uma paixão grande por Fotografia, optei por investir nesta área e fui fazer uma nova licenciatura.

 

Como é que surge o seu gosto pela Fotografia?

Surge por causa de uma ligação à música. Sempre gostei imenso de música, nomeadamente a chamada música alternativa. Muitas dessas bandas estão associadas, também, a um determinado tipo de imagem, a um determinado tipo de movimentos artísticos. Tudo estava ligado. O gosto pela música era, também, um gosto estético pelo look das bandas e pela capa dos discos.

 

Qual foi a sua primeira máquina fotográfica?

A primeira máquina que tive foi uma Pentax K1000, um clássico, uma verdadeira máquina de guerra. Mas já foi uma aquisição tardia, porque só comecei a interessar-me mais seriamente por Fotografia quando comecei o curso.

 

“O mestrado foi desenhado a pensar não apenas no lado mais técnico da fotografia, mas, também, na dimensão mais conceptual.”

 

Depois de terminar a sua licenciatura vai para Inglaterra.

Vou para Inglaterra para me conseguir especializar mesmo em Fotografia, uma vez que a licenciatura tinha sido demasiado abrangente. Fui fazer o mestrado na Goldsmiths e é aí que, realmente, começo a investir na Fotografia, enquanto prática artística.

 

É coordenador do Mestrado em Fotografia da Escola das Artes. Como é que se ensina Fotografia?

Vou parafrasear o grande Henri Cartier-Bresson porque, quando lhe fizeram essa mesma pergunta, ele respondeu “Como é que se ensina o amor?”. Também acredito que, quando alguém vai ver os quadros do Rubens, aprende o que é o amor. A fotografia é, também, uma espécie de amor perante aquilo que se vê.

 

“O grande desafio é ajudar os alunos a encontrarem a sua voz.”

 

De que forma acha que o ensino da Fotografia na Escola das Artes se diferencia?

O mestrado foi desenhado a pensar não apenas no lado mais técnico da Fotografia, mas, também, na dimensão mais conceptual, na História da Fotografia, nos autores, nas fotografias desses autores. No fundo, queremos dotar os nossos alunos das ferramentas teóricas e concetuais para que saibam contribuir, com a sua visão, para a História da Fotografia.

 

Porque é que é tão importante o conhecimento da História da Fotografia?

É fundamental. Há coisas que nós achamos que não foram feitas e já foram feitas há cem anos. Por trás das fotografias existem as histórias dos seus criadores e há histórias fabulosas,
personagens incríveis, muito mais interessantes que até as próprias fotografias que fizeram.

 

O que é mais desafiante para si enquanto professor?

O grande desafio é tentar ajudar os alunos para que sigam o seu caminho. Não tenho interesse nenhum em moldar os alunos para que fotografem desta ou daquela maneira. O grande desafio é ajudá-los a encontrarem a sua voz.

 

Hoje em dia todos tiram fotografias … De que forma é que acha que, de certa forma, a fotografia se banalizou?

Não existe uma fotografia, mas, sim, muitos modos de fazer Fotografia. A Fotografia democratizou-se e, hoje em dia, pelo modo como são criadas são, acima de tudo, imagens digitais. Certamente que a maioria são imagens que não vão ter existência física, mas continuam a ser imagens e, felizmente, o impulso de criá-las continua e isso é muito positivo.

 

“Tenho a certeza de que muitos dos nossos fotógrafos seriam muito mais conhecidos se fossem americanos ou ingleses.”

 

Fotografa muito com o seu telemóvel?

As imagens que faço com o meu telemóvel são para mim imagens mais secundárias. Normalmente uso o telemóvel para registar algumas coisas para depois poder lá voltar com a minha máquina.  

 

De que forma é que concilia a dimensão académica com a dimensão artística?

Enriquecem-se mutuamente. Para ser professor tenho que pesquisar muito e vou descobrindo novos autores e diferentes discursos da Fotografia e por esse motivo tenho esta necessidade de me reinventar. A prática artística também me dá a possibilidade de mostrar aos alunos uma prática: o que é que se pode fazer, como é que se prepara uma exposição, como é que se monta o corpo de um trabalho. 

 

“Uma sociedade sem arte é uma sociedade cinzenta.”

 

O que é que tem sido mais marcante aos longo dos seus 15 anos de docência na Universidade Católica?

Aquilo que mais me marca, enquanto pessoa e enquanto docente, é ver o percurso dos meus alunos. Acabo por encontrar, felizmente, muitos deles no mercado de trabalho e até já trabalhei com alguns. É bom saber que contribuímos com alguma coisa para o sucesso dos alunos ou pelo menos saber que contribuímos para que encontrassem a sua paixão.

 

Como é que olha para o cenário da Fotografia em Portugal?

Temos muitos e bons fotógrafos e artistas em Portugal. Aquilo que não temos são mecanismos de promoção desses artistas. É um meio muito pequeno, onde há muito pouco investimento. Os museus têm pouca fotografia e, também, existem poucos colecionadores. Tenho a certeza de que muitos dos nossos fotógrafos seriam muito mais conhecidos se fossem americanos ou ingleses.

 

De que forma é que a Fotografia e a Arte podem mudar mentalidades e promover a transformação?

O John Lennon dizia que não acreditava em revoluções através das armas. Ele dizia que acreditava nas revoluções da mente e do espírito. A Arte pode-nos ajudar a ter mais sensibilidade e a sermos melhores pessoas. Mas, às vezes, esta afirmação também nos leva para outros opostos. O regime nazi, por exemplo, adorava Wagner e grandes compositores, tinha este grande fascínio pelo belo. Para que isto não aconteça é preciso entender bem a Arte e, quando bem entendida, é o espelho da alma. Uma sociedade sem arte é uma sociedade cinzenta.

 

A Fotografia surgiu na sua vida através da Música. A Música continua a ter importância na sua vida?

Sim, tenho uma banda e estamos a gravar o quarto disco. Chama-se Evols e este verão tocámos no Festival Paredes de Coura.

 

Fotógrafo favorito?

Tenho muitos. Gosto muito do Lee Friedlander, um fotógrafo americano que fotografou tudo o que há para fotografar. Gosto dele porque, em primeiro lugar, gostava de ter feito tudo o que ele fez e, em segundo lugar, porque me consegue surpreender com a sua simplicidade. É genial a forma como ele usa a máquina.

 

O que é uma boa fotografia?

Não há uma resposta para isso.

 

Uma boa máquina é importante?

Uma boa máquina ajuda, mas há fotógrafos fabulosos que fizeram imagens incríveis com máquinas péssimas.

 

Qual é a fotografia da sua autoria que mais gosta?

Serão sempre as fotografias dos meus filhos. Já estão cansados de ser tão fotografados (risos).

 

Dizem que os fotógrafos, geralmente, não gostam de ser fotografados. Ainda assim, já fez algum autorretrato seu?

Nunca fiz nenhum decente. O modelo não é muito bom (risos).

 

pt
12-10-2023