Maria Coelho: “Há muito caminho para fazer na área da Bioeconomia Azul”

Pessoas em Destaque

Maria Coelho é bióloga e gestora. É a atual coordenadora executiva do B2E – CoLAB para a Bioeconomia Azul. Fez o MBA Internacional da Católica Porto Business School, movida pela vontade de adquirir conhecimentos na área da Gestão. Com uma carreira que dividiu também com a Ciência, considera ser essencial a “criação de pontes entre a investigação e o mercado”. Com uma missão nos campos da sustentabilidade, e mais concretamente na área da Bioeconomia Azul, olha para o futuro com esperança e acredita que “vamos ser capazes de mudar o paradigma”. Nos tempos livres? Gosta de estar com amigos e família e dançar Lindy Hop.

 

Licenciou-se em Biologia. Porquê esta escolha?

Foi surpreendente para muita gente, porque esperavam que fosse seguir Direito. No décimo ano, tive uma professora simplesmente brilhante que me fez despertar para a área da Biologia, pela forma como nos apresentava o mundo, sempre tão interessante e aliciante. Felizmente, cresci numa família que me deixou escolher livremente e, por isso, apesar de ter havido algum espanto por decidir escolher esta área, sempre me apoiou.  

 

O que é que mais marcou a sua infância?

Quando  penso na minha infância, penso na casa das minhas tias-avós. Tinha um grupo de tias-avós solteiras e cresci no meio delas. Costumo dizer que tive a sorte de crescer com várias avós. Passaram-me valores muito importantes. Este contacto com pessoas mais velhas teve o seu efeito … A minha professora primária dizia que eu utilizava palavras muito caras (risos).

 

Depois de formada, começa a sua carreira pela área da investigação. Quando é que despertou o interesse por esta área?

Na verdade, o interesse pela investigação só surge no último ano do curso, quando tive de desenvolver um projeto de investigação. Nessa altura, decido ir fazer Erasmus, no Instituto de Neurociências de Salamanca. Foi aí que desabrochei verdadeiramente para a Biologia. No final, fui convidada pela mesma equipa para passar uma temporada num hospital em Paris, para continuar a minha investigação sobre um tópico específico na área do desenvolvimento neuronal embrionário. Com esta equipa, também acabei por passar por Itália e, mais tarde, acompanhei-a num hospital de paraplégicos em Toledo. Foi uma experiência profissional, mas muito humana também.

 

Mais tarde faz o seu doutoramento. Metade foi passado nos Estados Unidos da América. Como foi a experiência?

Marcou-me por duas razões fundamentais. A primeira é que, no Instituto onde estava, era a única aluna de doutoramento. Para além de mim, só havia pessoas em pós-doutoramento e investigadores séniores. Eu era uma miúda que via passar nos corredores muitos dos principais autores dos artigos que lia. Foi incrível estar a ver aquelas pessoas ali, a trabalharem à minha frente. A segunda razão prende-se com o facto de o Instituto ter crescido a partir de um antigo sanatório de doentes com tuberculose e estava inserido num local isolado no meio da montanha. Havia uma natureza incrível à volta, mas claro que era um lugar difícil para se viver, porque  estava isolada de tudo o resto. Foi uma experiência diferente da que seria típica nos Estados Unidos. Mas, sem dúvida, uma experiência muito interessante. No inverno, cheguei a sentir 20 graus negativos e por trás de minha casa, volta e meia, passavam uns bâmbis e uns ursos. Guardo com muito carinho todas estas memórias.

 

“Com o MBA consegui ter uma visão integradora de todas as áreas da Gestão.”

 

É quando regressa a Portugal que se começa a interessar pela Gestão?

Nessa altura, comecei a sentir uma grande vontade de ver os processos de I&D&I a serem implementados. Comecei a interessar-me pela parte da Gestão, mas não sabia, na altura, exatamente o quê, ou de que forma, mas interessava-me muito a área da Inovação. Acreditava que fazia imenso sentido que a Gestão fizesse parte da formação dos investigadores. Esta articulação entre a indústria a ciência é muito delicada e são duas linguagens diferentes, mas que precisam de se entender. A investigação básica é importante, continuo a defendê-la, mas, ao mesmo tempo, acho que também há espaço para a valorização do conhecimento e para a monetização do conhecimento.

 

É nesse momento que vem fazer o MBA Internacional da Católica Porto Business School?

Sim. Procurei uma formação que fosse, verdadeiramente, holística. Nunca procurei uma formação que me desse um perfil técnico, não era isso que procurava. Queria ter uma visão 360º que me permitisse ter uma noção das várias linguagens da Gestão como um todo. Com o MBA, consegui ter uma visão integradora de todas as áreas. Foi muito bom.

 

“Quem trabalha em investigação tem uma curiosidade constante.”

 

O que é que mais a marcou?

Correu tudo muito bem. Destaco a oportunidade de visita a empresas de fora de Portugal e o facto de os professores não terem um perfil exclusivamente académico. Faz toda a diferença. Têm todos uma experiência prática e não se coibiram de partilhar esse mesmo conhecimento do terreno connosco. As parcerias que o MBA tinha com a ESADE e com a Universidade Católica em São Paulo também foram muito interessantes. Foi uma experiência muito importante, mas também muito difícil e exigente. Acredito que tudo se aprende, com mais ou menos esforço. Vinha de uma área muito diferente e, por isso, foi especialmente desafiante para mim, uma vez que muitas das disciplinas eram uma completa novidade. Outro ponto muito importante foi a descoberta do que são os soft skills, como são importantes e como complementam e definem um perfil.

 

É depois do MBA que encontra a sua primeira oportunidade de trabalho numa área mais ligada à Gestão…

Sim! Fui trabalhar para uma consultora dinamarquesa que tem escritórios em Portugal. Assumi uma função que aliava a Ciência com  a Gestão. Tive oportunidade de desenvolver muitas competências de gestão. Foi uma porta aberta para mim. É curioso porque, nos recrutamentos, esta consultora tinha preferência por investigadores, porque são perfis com um mindset muito próprio. Quem trabalha em investigação tem uma curiosidade constante, uma plasticidade mental muito grande e uma vontade de estudar seja o que for. Apesar de hoje em dia não trabalhar diretamente em investigação, herdei estas competências que me são muito úteis na função que assumo.

 

“Podemos e devemos ir buscar muita inspiração ao oceano.”

 

É coordenadora executiva do B2E CoLAB. Em que consiste?

Somos um laboratório colaborativo, no sentido de laboratório de ideias. Operamos na área da Bioeconomia Azul, mais concretamente em temáticas que tenham que ver com a aquacultura sustentável, com a biotecnologia marinha e com a valorização dos recursos marinhos. Funcionamos, precisamente, como uma peça articuladora entre a investigação e a indústria, porque continua a existir a necessidade em Portugal, e no resto da Europa também, de uma ponte entre estas duas dimensões que têm linguagens e timings de fazer acontecer tão diferentes. O B2E CoLAB faz esta ponte que serve cada uma destas dimensões individualmente, mas, sempre que possível, tenta aproximar a academia do mercado e vice-versa. A investigação desenvolve conhecimento que pode ser mais explorado, mais aplicado e até monetizado pela indústria. Por outro lado, a indústria só tem a ganhar com a introdução de novas camadas de inovação no seu core business, seja a que nível for. No B2E CoLAB servimos os nossos associados que vão desde centros de investigação até empresas de várias áreas dentro da Bioeconomia Azul. Mas, também, identificamos os principais desafios que quem nos procura tem dentro de portas e apresentamos soluções.

 

O que é a Bioeconomia Azul e qual o seu potencial?

Trata-se de um conceito que se refere ao uso sustentável e eficiente dos recursos marinhos e costeiros para promover o desenvolvimento económico, social e ambiental... No nosso caso em concreto, estamos muito próximos das necessidades em torno da aquacultura e da biotecnologia, sempre numa perspetiva de sustentabilidade. Podemos e devemos ir buscar muita inspiração ao oceano. Por exemplo, a espinha, a cabeça, a pele e o rabo do peixe são partes que, na sua maioria, hoje em dia, em Portugal, ou são desperdiçadas ou vão para dietas de pet food. Mas nós podemos fazer mais com isso. Podemos extrair fatores específicos: podemos fazer extração de colagénio, podemos fazer a extração de enzimas, para depois serem utilizadas, podemos usar pele de peixe para fazer couro marinho ou até utilizar as espinhas de peixe para fazer cerâmica. Existe aqui muito potencial.

 

Que países são boas referência para nós?

Nesta área da valorização dos coprodutos marinhos, a Noruega e a Islândia são um ótimo exemplo de inovação que tem vindo a ser realizada há décadas. Temos de ir beber da sua experiência e perceber quais as cadeias de valor que existem na valorização dos coprodutos de origem marinha. Temos de adaptar o conhecimento e a experiência ao contexto português que é muito particular. Portugal tem um potencial incrível.

 

Considera que Portugal está consciente e mais sensível para os temas da Bioeconomia Azul?

Começa-se agora a falar de Bioeconomia Azul, mas Portugal sempre teve mar! Considero que Portugal está mais sensível a estas matérias, mas acho que ainda não estamos equipados ou, pelo menos, todos alinhados para que possamos fazer uma transição eficaz e eficiente do que é o paradigma da economia linear para uma economia circular, mais verde, mais azul e mais resiliente. Há um longo caminho a percorrer e há que fazê-lo de forma ponderada, estratégica e sustentável.

 

“Acredito que vamos ser capazes de mudar o paradigma.”

 

Olha para este tema com esperança?

Estamos num ponto de inflexão muito delicado. Acredito que vamos ser capazes de mudar o paradigma. É preciso um esforço coletivo. O esforço individual de cada um fazer a reciclagem é muito importante, mas não é suficiente. Temos de pensar nestes temas de forma muito séria e temos de pôr pés ao caminho.

 

É necessária uma maior colaboração entre investigadores e empreendedores?

É essencial. Só a colaboração entre investigadores e empreendedores é que permite transformar ideias em produtos viáveis.

 

Bióloga, gestora … Tem mais algum talento?

Adoro absolutamente dançar (risos). Gosto de danças vintage. Pratico, há muitos anos, o Lindy Hop. É um dos meus hobbies, para além, claro, de estar com a família e amigos. São essenciais para mim.

 

pt
09-11-2023