Joana Queiroz Ribeiro: “Se não existe um propósito bem definido como é que podemos pedir que as pessoas se envolvam?”

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Joana Queiroz Ribeiro é licenciada em Engenharia Alimentar pela Escola Superior de Biotecnologia, da Universidade Católica. Atualmente, é head of People and Organization na Fidelidade, função que assume com grande “paixão”. Começou o seu percurso profissional na área da engenharia na indústria cervejeira e depois foi desafiada a liderar a área de comunicação e institucional e, mais tarde ainda, a liderar a equipa de recursos humanos. Um percurso profissional repleto de desafios que sempre encarou com muito entusiasmo e vontade de “criar a mudança”. Com uma infância marcada por uma dinâmica agitada e exigente, confessa que não tem medo da mudança e que a “coragem” e o “atrevimento” são marcas fortes da sua personalidade.

 

O que é que a move?

As pessoas, claro, mas acima de tudo o que me faz acordar todos os dias é, claramente, a marca que posso deixar onde quer que seja. Sou uma pessoa apaixonada, movo-me por paixões. Sou, também, uma pessoa de família e, por isso, o centro da minha vida é a minha filha, o meu marido, os meus pais, irmãos, sobrinhada e amigos. Teria muita dificuldade em levantar-me com a mesma energia se não fossem eles.

 

Quais são as suas principais memórias de infância?

As minhas memórias de infância levam-me para vários sítios do país. O meu pai fez uma carreira de Direito e tinha a obrigação de mudar de comarca com muita regularidade, no máximo dos máximos de três em três anos estávamos a mudar de terra, de casa, de escola e de amigos. As minhas memórias são, por isso, dessas pessoas e dessas experiências que fui acrescentando à minha vida. Recordo-me bem do que era chegar a meio de um ano letivo e mudarmos… e de como isso era, verdadeiramente, exigente. O regresso a casa dos meus avós, de um lado, a minha avó paterna no Douro, e do outro, os meus avós maternos no Minho, e de tudo o que lá se passava, o que podíamos fazer e da liberdade e o mundo que ganhávamos quando lá estávamos também é uma memória muito viva e presente.

 

Uma infância animada, portanto. De que forma é que isso marcou a sua personalidade?

Eu acho que uma das coisas que esta vida me deu foi a capacidade de adaptação à mudança. Durante todo o meu crescimento fui obrigada a aprender a despedir-me das pessoas e a encontrar novos amigos. A mudança não é complicada para mim e não me tem assustado.

 

Quando é que começa a pensar de forma mais séria no seu percurso profissional?

Sempre quis ser médica (risos) e só não fui para Medicina, porque não tinha notas. Mas se me perguntar porque é que eu queria ser médica nem lhe sei bem dizer, provavelmente estava relacionado com o facto do meu avô paterno, que não cheguei a conhecer, ser um médico mais ou menos filantropo. O que é curioso é que eu sou a pessoa que se vê sangue desmaia (risos). Como não entrei em Medicina, tinha de arranjar um percurso alternativo. Num dia nas férias de Agosto desse verão em que tinha que me candidatar, o pai de uma grande amiga minha (daqueles tios emprestados) mostra-me uma grande notícia do Expresso que falava do curso de Engenharia Alimentar, da Escola Superior de Biotecnologia, que ia abrir na Universidade Católica. Disse-me “Joana, aqui está uma oportunidade para ti,  um curso que tu devias fazer”.

 

“Tenho um orgulho imenso em ser antiga aluna desta Universidade.”

 

Era a primeira vez que o curso ia ser lançado …

Precisamente. Não havia qualquer histórico, mas havia a promessa de ser um curso diferente, inovador, e era apadrinhado, entre outros, pelo Prof. Carvalho Guerra, numa escola também ela com uma gestão que prometia ser de vanguarda e, claro, com o selo da Universidade Católica. No fundo, não houve nenhuma vocação específica do meu lado, foi mais atrevimento e coragem e decidir arriscar.

 

O que é que achou do curso?

Foi muito interessante. O facto de sermos os primeiros fazia com que, apesar de sermos as “cobaias”, fossemos, também, muito ouvidos para todas as questões. Sentíamo-nos a contribuir para a construção de uma “coisa” nova. O corpo docente era de excelência, era composto pelos melhores professores que havia na altura nas diferentes escolas do país. O que mais me marcou foi a componente prática e de experimentação, a ligação às empresas e também a multidisciplinaridade. Aprendíamos as disciplinas técnicas ligadas à Engenharia Alimentar com os melhores professores portugueses e de diferentes escolas internacionais, e matérias como Marketing, Inovação, Estatística, Economia, Internacionalização também com os melhores das escolas de gestão e economia deste país. Esta variedade dava-nos uma visão alargada e muito interessante não só do sector agroalimentar, mas do mundo empresarial e institucional em geral.

 

O que é que acha que distingue a Universidade Católica?

A matriz de valores marca profundamente os alunos. Ao longo da minha experiência enquanto aluna, mas, também, enquanto profissional que ao longo do seu percurso foi tendo contacto com alunos da Católica, posso constatar que os valores marcam profundamente os alunos. Sendo ou não sendo católicos, a verdade é que lhes ficam princípios de que nunca se vão esquecer e que permanecem para a vida toda. Aliado a isto, a exigência da Católica para com os seus alunos também é um fator que deixa uma marca grande nas pessoas que por lá passam. A Universidade Católica é uma universidade da qual todos os seus alunos se orgulham. Quando me perguntaram se eu queria pertencer à Associação de Antigos Alunos, nem hesitei, porque há um orgulho imenso em ser antiga aluna desta Universidade.

 

No último ano do curso, foi para Lovaina, na Bélgica.

Sim, numa altura em que não havia Erasmus, nem abundavam as oportunidades de intercâmbio. Ainda assim, a Escola Superior de Biotecnologia fazia questão de proporcionar esta oportunidade aos seus alunos. Fui para Lovaina fazer um curso de ciências cervejeiras, porque, através do contacto que fomos tendo com diversas empresas ao longo do curso, me tinha apaixonado pelo processo do fabrico da cerveja.

 

“Precisei de coragem e algum atrevimento.”

 

Acabou por ir trabalhar para a Unicer, atual Super Bock Group.

Entrei para uma posição técnica que me deu muito conhecimento acerca da indústria cervejeira. Tinha tudo a ver com documentação, procedimentos e políticas. Depois desta experiência, entrei mais na área da engenharia pura e dura e acompanhei o arranque de uma linha de enchimento. O que me mostrou a realidade da operação. Mais tarde fui desafiada a ir gerir um projeto de melhoria contínua.

 

É aqui que começa a surgir a importância da Gestão?

Sim, aqui começou a grande mudança no meu caminho de crescimento. Foi nesta altura que começaram a surgir os meus sonhos. Um projeto não se pode reduzir à parte técnica. O projeto tem de implicar a transformação da organização, tem de implicar a alteração de mentalidades. Foi a partir daqui que comecei a sonhar com poder impactar na mudança. Era isto que me entusiasmava. Tive a sorte de estar numa empresa que me permitiu encontrar o meu lugar. Para mim, foi uma verdadeira escola de gestão que me permitiu crescer, fazer caminho e aprender muito. Fui desafiada a gerir a equipa de comunicação interna e institucional e depois juntei a área de recursos humanos à minha responsabilidade. Os dois foram grandes desafios, mas ter ido liderar a equipa de gestão de pessoas teve um peso diferente. É um desafio exigente, porque é preciso ter-se disponibilidade para conhecer bem as pessoas, para as ouvir, para querer compreender as suas preocupações e ambições. Ter assumido este novo papel foi um desafio que exigiu muito de mim.

 

“O mais importante é que uma organização tenha o seu propósito muito bem definido.”

 

O que é que a fez aceitar o desafio?

Precisei de coragem e algum atrevimento.  Na verdade, a área da gestão e de projeto sempre me entusiasmou muito mais do que qualquer outra. Para além disso, aqui tinha um propósito muito claro que me movia e me permitia contribuir para a mudança organizacional. Um elemento que foi essencial para mim foi rodear-me das melhores pessoas para trabalharem comigo. Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de que as pessoas que trabalham comigo têm que ser melhores que eu naquilo que fazem. Quem me ensinou isto foi quem na Unicer me convidou para ser diretora de recursos humanos. Ainda hoje levo este ensinamento à risca. Para quem gere equipas é isto que nos dá segurança e confiança. Acabei por ficar cerca de 25 anos na Unicer porque ao longo desses anos sempre me senti desafiada. O meu próprio percurso dentro da empresa foi muitíssimo variado e em todos os desafios que surgiram arriscava cada vez mais e trabalhava para que fossem projetos que envolvessem, verdadeiramente, as pessoas da empresa e que fossem, assim, projetos de cultura organizacional.

 

Depois de 25 anos na Unicer, está há 8 anos na Fidelidade, enquanto head of People and Organization.

Saí da Unicer e achei que a minha experiência podia ser útil em projetos de reorganização e transformação cultural dentro das empresas. Estive cerca de um ano a dedicar-me a projetos deste tipo, até que surge o convite para ir para a Fidelidade, uma empresa que tem como propósito de existência cuidar e olhar pelas pessoas, no fundo garantir que as pessoas e os nossos clientes estão protegidos. Nós vamos trabalhar todos os dias “para que a vida não pare”. É também este propósito que seguimos quando olhamos para as pessoas da Fidelidade e esta é uma vantagem enorme para quem, como eu, veio para uma função de gestão de pessoas. As pessoas são o nosso foco. Queremos tornar única e humanizar cada vez mais a experiência daqueles que se juntam a nós. Que líderes queremos ser? Como é que olhamos para o desenvolvimento das nossas pessoas? Como é que nos posicionamos no mercado? Como é que fazemos para que as pessoas queiram vir trabalhar connosco? Temos uma marca muito forte que nos ajuda a criar valor e a conquistar Pessoas que estão dispostas a fazer bem o Bem. O resultado do trabalho que a nossa equipa faz leva ao envolvimento de toda a organização, garantindo que estamos alinhados quanto àquilo que queremos ser, quanto à marca que queremos deixar, quanto às histórias que queremos que o Mundo conte de nós.

 

Qual é o segredo para se conseguir mobilizar uma empresa?

O mais importante é que uma organização tenha o seu propósito muito bem definido. Tem de ser um propósito muito claro e muito alinhado com o negócio. Se não existe um propósito bem delineado como é que podemos pedir que as pessoas se envolvam?

 

Como é que se cuida das pessoas dentro de uma organização?

Precisamos de garantir que temos as pessoas certas, porque senão nunca vamos conseguir cuidar delas. Temos de garantir que temos as pessoas que partilham os mesmos valores que nós, que têm a resiliência necessária para correr atrás dos desafios, que têm vontade de aprender e que são boas pessoas, isto é, capazes de fazer bem o Bem. Quando me refiro a “cuidar”, refiro-me a ser capaz de olhar por elas, ouvi-las, mas acima de tudo conhecê-las bem, os seus percursos, os seus sonhos, as suas preocupações. É com base nisto que vamos ser capazes de desenhar caminhos que vão guiar as pessoas para os seus lugares de realização e de felicidade.

 

 

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28-09-2023