Guilherme Afonso: “O meu projeto final da licenciatura é a minha primeira entrega ao cinema.”

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É fotógrafo e finalista da Licenciatura em Som e Imagem da Escola das Artes da Católica. Chama-se Guilherme Afonso, tem 26 anos e é do Porto. Foi numa viagem à Guatemala que o seu caminho se cruzou com uma máquina fotográfica e, hoje em dia, faz da Fotografia e do Cinema a sua arte. Nesta entrevista ficamos a conhecer o seu trabalho, o que mais o marcou na licenciatura, as suas viagens e o seu livro Travel Diaries.

 

Como é que se dá a descoberta da Fotografia na sua vida?

Em miúdo queria ser piloto, mas mais tarde acabei por ingressar no curso de Engenharia Física. No meu primeiro ano do curso, a minha irmã estava na Guatemala e eu fui lá ter com ela. Levei a máquina fotográfica do meu pai, mas sem nenhuma pretensão especial. Inseri-me num projeto de voluntariado, que intervinha na Guatemala em comunidades locais e acabei por acompanhar projetos de construção e por apoiar algumas famílias. Lembro-me que também me pediram para eu fotografar algumas coisas para ficar registado e para enviarmos aos patrocinadores do projeto. Nessa altura fiquei a dormir numa casa de origem humilde que era anexa à casa de uma família com dez crianças e, por isso, acabei por conviver muito com estes miúdos. Foi nesta relação com estas crianças que a máquina fotográfica ganhou alguma importância, porque foi a forma que eu encontrei de comunicar com eles. Eu tirava-lhes fotografias e eles tiravam-me a mim. À volta da máquina fotográfica criamos a nossa relação de amizade.  

 

Mais tarde ingressou no curso de Fotografia do Instituto Português de Fotografia.

Sim, acabei por desistir de Engenharia Física porque já tinha evidências suficientes de que a fotografia me interessava imenso. Mas, mais uma vez, acabei por tentar conciliar o curso com outros projetos e foi por isso que fiz o primeiro ano do curso no Porto e o segundo ano em Lisboa. A meio do curso envolvi-me num projeto da Gap Year Portugal – a Roadtrip - e acabei por ocupar o meu tempo com isso. Estive quatro meses e meio a percorrer Portugal numa carrinha pão de forma para falar do projeto nas escolas secundárias. Quando o projeto terminou retomei o curso e no fim, como projeto final, lancei um livro que se chama Travel Diaries.

 

“Revejo-me muito nestes encontros com as pessoas.”

 

O que é que se pode encontrar nesse livro?

O livro reúne fotografias minhas de viagens que fui fazendo. Não se pode dizer que seja propriamente um livro de fotografia, porque não tem uma narrativa linear. No fundo, é um álbum de fotografias artísticas. O livro foi editado através de uma campanha de crowdfundig que lancei. Fez-me sentido que assim fosse, porque também as viagens, através das quais resultaram as fotografias, foram feitas à boleia. Mais tarde fiz uma segunda edição do livro, alterei algumas coisas e acrescentei outras fotografias. Quero que o livro evolua ao longo dos anos e por isso é um trabalho sempre inacabado. Já estou a pensar noutras alterações e, quem sabe, talvez haja uma terceira edição.

 

Há alguma fotografia do livro que seja especial para si?

Há uma fotografia que é de uma folha de papel no Rio Nilo. É muito simples e minimalista e, por isso, é muito representativa do meu trabalho na fotografia, porque reflete calma e contemplação.

 

“Na Escola das Artes temos a oportunidade de contactar com artistas de fora, com quem podemos aprender mais e a quem podemos, também, apresentar os nossos projetos.”

 

É finalista da licenciatura em Som e Imagem. Porquê a escolha deste curso?

O curso no Instituto Português de Fotografia foi muito prático. Se por um lado isso é bom, por outro senti que tinha pouca sustentação teórica. Queria explorar mais o lado concetual e aprofundar a teoria da arte. Para além disso, comecei a interessar-me pela área do Cinema e queria descobrir mais. Escolhi Som e_ Imagem na Católica porque acreditei que me ia dar aquilo que me fazia falta e que me ia desafiar muito.

 

O que é que foi mais marcante durante a licenciatura?

Eu fiz o curso integralmente com bolsa. Candidatei-me no primeiro ano e consegui manter a bolsa ao longo dos 3 anos da licenciatura. Foi uma oportunidade única que a Católica me proporcionou. Gostei muito dos professores e de toda a comunidade da Escola das Artes. Aqui temos a oportunidade de contactar com artistas de fora, com quem podemos aprender mais e a quem podemos, também, apresentar os nossos projetos e dar a conhecer o nosso trabalho e isso é essencial. As masterclasses e as aulas abertas motivam os estudantes e incentivam o networking no mundo artístico. A Escola das Artes dá-nos muitas ferramentas que nos ajudam a construir a nossa arte e a levá-la aos outros.

 

“Na licenciatura descobri mesmo o meu gosto pelo cinema.”

 

O seu projeto final da licenciatura foi a realização de um filme … Em que é que consistiu?

Na licenciatura descobri mesmo o meu gosto pelo cinema. Se quando entrei para o curso já tinha despertado para o cinema, foi mesmo no curso que percebi que o meu caminho também passava por aqui.  O meu projeto final é a minha verdadeira primeira entrega ao cinema. Trata-se de um filme sobre dois irmãos que viajam. Eu sou um dos atores. Vamos com uma equipa para locais que vejo no Google Maps. É quase como um processo de viagem. Chegamos ao local e vejo a fotografia do sítio e representamos cenas diferentes de improviso. É um filme com uma narrativa muito visual e vai ser apresentado no Panorama’22.

 

“No cinema entrego-me totalmente e gosto de instigar a dúvida relativamente àquilo que é verdade ou ficção.”

 

Viajar é importante para o seu trabalho …

Todos os anos faço uma viagem com o meu pai. Já estivemos em São Tomé, no Perú, no Egipto. O Egipto foi especial porque foi a primeira viagem onde já fotografei de uma forma mais pensada e com um projeto mais concreto na minha cabeça. Ainda tenho muitas fotografias por revelar dessa viagem e como se trata do Egipto pensei que talvez fosse melhor não as revelar todas de uma vez, porque tem uma história tão antiga que quis dar um tempo a estas fotografias. Já viajei pela Europa sempre à boleia. Autodesafiei-me a chegar à Eslovénia com apenas 50 euros no bolso e lá consegui. Aprendi todos os truques para viajar à boleia e gosto imenso. Prefiro ir para Paris à boleia do que me meter num autocarro que custe 1 euro. Nas boleias vou sempre a ouvir histórias e no autocarro é sempre só mais uma música. Revejo-me muito nestes encontros com as pessoas. O meu próximo projeto de viagem vai ser voltar à Guatemala e reencontrar aqueles miúdos que me fizeram descobrir a fotografia. Não tenho os contactos de ninguém, mas espero que eles não tenham mudado de casa. Tenho imensas fotografias deles que espero que me orientem e que me ajudem a encontrá-los. Na altura eram miúdos dos dois aos catorze anos, hoje terão entre os dez e os vinte e tal. Vou à procura deles porque foi com eles que comecei a retratar.

 

A Fotografia e o Cinema: como é que define a sua arte?

Eu sinto a necessidade de distinguir um bocado as duas artes. Eu sou sempre a mesma pessoa quando estou a trabalhar a fotografia ou o cinema, mas tento-me distinguir quando apresento o produto final e quando assino o trabalho. Com a fotografia quero despertar para o exercício da observação e da contemplação. No cinema, sinto que me envolvo muito mais e que já é algo muito mais pessoal. Eu sou uma pessoa extrovertida, invasiva do espaço dos outros e o cinema é isto. No cinema entrego-me totalmente e gosto de instigar a dúvida relativamente àquilo que é verdade ou ficção. Por exemplo, no projeto final da licenciatura gosto que quem esteja a ver o filme não perceba se são dois irmãos, dois amigos ou se se trata de outra relação qualquer.

 

É mito que um fotógrafo não gosta de ser fotografado?

A propósito disto, comecei há bastante tempo um projeto onde o objetivo é invadir o espaço e criar algum desconforto nas pessoas quando se apercebem que estão a ser filmadas ou fotografadas e ficar a falar com elas sobre isso. Ando pela rua com a câmara perto do peito e aproximo-me das pessoas, a menos de meio metro, de forma a que as pessoas entendam que estão mesmo a ser capturadas imagens suas. É, sem dúvida, um projeto arriscado porque a reação das pessoas é muitas vezes imprevisível e, naturalmente, nem todas as pessoas reagem bem ao meu atrevimento. Mas, no meu caso concreto, se detesto que me fotografem? Por acaso sou muito tranquilo. Como tenho o cabelo comprido e como às vezes visto umas roupas um bocado folclóricas, sou apanhado bastantes vezes por alguns fotógrafos (risos).

 

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06-07-2022